domingo, 6 de abril de 2008

Texto 3 - Paxton (2)

Neste capítulo do livro, Paxton se posiciona frente a necessidade de chegar a uma definição do que realmente é o fascismo, questionando-se sobre qual pode ser considerado real. Ele explicita que alguns autores defendem os movimentos iniciais como fascismo “puro”, criticando os que chegaram ao poder como corruptos e interesseiros, ao passo que formam alianças conciliatórias para se manter como establishment. Paxton acredita que essa defesa seja pobre, visto que os fascismos que efetivamente assumiram o governo tinham em mãos “o poder de guerra e de morte”, defendendo, assim, uma definição que englobe os estágios iniciais e os finais do fenômeno.
A partir dessa idéia, nosso autor segue trabalhando os elementos basicamente comuns aos fascismos: “O fascismo no poder consiste num composto, um amálgama poderoso dos ingredientes distintos, mas combináveis, do conservadorismo, do nacional-socialismo e da direita radical, unidos por inimigos em comum e pela mesma paixão pela regeneração, energização e purificação da nação, qualquer que seja o preço a ser pago em termos de instituições livres e do estado de direito” (Paxton, P. 336). Assim, ele conclui que “o fascismo em ação se assemelha muito mais a uma rede de relações que a uma essência fixa”, deixando pra trás o simplismo do fascismo puro. Abro um parêntese aqui para lembrar que realmente não existia um projeto claro e definido, os “ideólogos” não sentiam essa necessidade, pois acreditavam que com as ações isso viria naturalmente. Os fascistas negavam a racionalidade que agrupava os homens e os igualava (visavam a criação de uma comunidade de eleitos), sendo radicalmente antiintelectuais e fazendo um elogio da violência.

Neste momento entramos nas “interpretações conflitantes”, onde veremos uma gama de comparações entre outros sistemas e o fascismo, sempre na tentativa de defini-lo de maneira mais justa. Paxton contesta quase todas as propostas com argumentos plausíveis.

Em primeiro lugar encontramos a visão marxista geral, que entende o fascismo como instrumento do capitalismo. “A ortodoxia da Terceira Internacional Comunista de Stalin negava suas raízes autônomas e a autenticidade do fascínio que ele exercia sobre as massas”. Além disso, ignorava o fator escolha humana, “na medida em que transformava o fascismo no resultado inevitável de alguma crise insuperável de superprodução capitalista”. (Paxton, P. 337). O equívoco está no fato de que, quando rejeitavam a democracia, a maioria dos capitalistas não optava pelo fascismo, e sim pelo puro autoritarismo. Mesmo tendo formado alianças que possibilitavam vantagens mútuas, os capitalistas se adaptaram aos governos fascistas simplesmente por estes serem a melhor solução não-socialista disponível.
A segunda proposta de explicação do fenômeno recorre à psicanálise, tendo em vista o caráter obsessivo que o fascismo personifica. Esta proposta, porém, também é falha, pois psicanalisar líderes como Hitler era um projeto inacessível, tanto quanto afirmar que alguns eram de fato loucos, já que seu público os adorava e alguns exerceram suas funções eficazmente durante um tempo considerável. Aqui, Paxton coloca uma possibilidade de análise psicanalítica do público fascista, e não de seus líderes, como fez o freudiano dissidente Wilhelm Reich, em sua obra The Mass Psychology of Fascism, para depois ressaltar que esses regimes funcionavam graças ao apoio de pessoas comuns que se adaptaram a eles em seu dia-a-dia.
A terceira visão é a defendida pelo sociólogo Talcott Parsons, que sugere que “o fascismo havia surgido do desenraizamento e das tensões provocadas por um desenvolvimento econômico e social desigual”. Parsons afirma que “em países que se industrializaram de maneira rápida e tardia, como a Alemanha e a Itália, as tensões de classe eram particularmente agudas”. Paxton acredita que “essa interpretação tem o mérito de tratar o fascismo como um sistema e como produto da história, da mesma forma que a interpretação marxista, embora sem o determinismo, a estreiteza e o frágil embasamento teórico desta última” (Paxton, P. 340). Apesar da defesa desse sociólogo ser bem justificada, não pode ser aceita sem um aprofundamento da questão, pois a França apresentava à mesma época uma economia “dual”, com a coexistência de um setor camponês/artesão e uma indústria moderna, sem, no entanto, ter vivido um sistema fascista próprio (o fascismo só chegou ao poder sob a ocupação nazista alemã).
Partimos, então, para outro enfoque sociológico, com Hannah Arendt, que vai defender o paradigma da “sociedade de massas atomizadas”, quando em fins do século XIX o nivelamento urbano e industrial deu espaço aos fornecedores de ódios simplistas, não mais refreados pela tradição ou pela comunidade”. Hannah analisa as massas desenraizadas como “desligadas de quaisquer vínculos sociais, intelectuais ou morais, e inebriadas por paixões anti-semitas e imperiais” como a via possível para o surgimento do fascismo. Paxton, porém, relembra que os melhores trabalhos teóricos sobre o assunto dão pouco apoio a essa abordagem: “A sociedade da Alemanha de Weimar, por exemplo, era ricamente estruturada, e o recrutamento nazista operava por meio da mobilização de organizações inteiras por apelos dirigidos a interesses específicos” (Paxton, P.342).
Outra corrente considerada é a que vê o fascismo como uma ditadura desenvolvimentista, tendo em mente principalmente o modelo italiano, mas também ressaltando a necessidade alemã de disciplinar o povo para a reconstrução do país no pós-primeira guerra. Mas essa interpretação também comete um erro, pois supõe que o fascismo perseguia um objetivo racional, o que vimos que não acontece. O que Hitler e Mussolini acabavam por fazer era pensar a economia como um caminho para o prestígio político. Essa corrente também foi usada para rotular governos autocráticos do terceiro mundo de fascistas.
A sexta interpretação trabalhada no texto está no sociólogo Seymor Martin Lipset, que sistematizou o fascismo quanto a sua composição social, afirmando que este é um “extremismo de centro”, abrangendo uma classe rancorosa (pequenos comerciantes, artesãos, camponeses e outros integrantes da “antiga” classe média) que se via comprimida entre os trabalhadores industriais e os grandes empresários. Essa tese é posta em dúvida graças a recentes pesquisas empíricas que apontam para o fato de o recrutamento fascista não visar uma camada social específica, abrangendo descontentes heterogêneos, além de “aproveitadores” do seu sucesso.
No parágrafo seguinte, Paxton afirma que uma multidão de observadores tende a ver o fascismo como uma subespécie do totalitarismo, graças a tentativa de monopolização dos cargos públicos. Essa visão será, posteriormente, ampliada pelos adversários de Mussolini. Quanto a isso, há uma ressalva: “Temos que admitir que o regime de Mussolini, ansioso como era por ‘normalizar’ suas relações com uma sociedade onde a família, a Igreja, a monarquia e o chefe político da aldeia ainda possuíam um sólido poder, não conseguia atingir esse controle total” (Paxton, P.345). Há até uma comparação por parte dos teóricos do totalitarismo da década de 1950 entre Hitler e Stálin, pois os dois modelos de governo se caracterizavam por partidos únicos, por empregar uma ideologia oficial, usar de um controle policial terrorista, manter o monopólio sobre todos os meio de comunicação, sobre as forças armadas e sobre a organização econômica. Apesar disso, “concentrar o foco nas técnicas de controle pode fazer com que diferenças importantes sejam obscurecidas (...), pois os regimes diferiam profundamente em termos de dinâmica social e também de seus objetivos”. O autor trabalha a questão do totalitarismo esvaziando-o de ser uma característica realmente válida para o fascismo à medida que ver Hitler e Stálin como totalitários acaba por tratá-los da mesma forma, fazendo um julgamento moral comparativo. Neste momento, Paxton discorre sobre os dois líderes e fecha com uma conclusão sobre a teoria que defende o fascismo como uma espécie de totalitarismo: “A imagem totalitária pode evocar de forma poderosa os sonhos e as aspirações dos ditadores, mas, na verdade, prejudica o exame da questão de importância mais vital, ou seja, com que eficiência os regimes fascistas conseguiram se encaixar nas sociedades, em parte submissas e em parte recalcitrantes, governadas por eles” (Paxton, P. 350).
Mais uma hipótese estudada neste texto é o conceito de religião política aplicável ao fenômeno. Este conceito é bem útil para o fascismo, pois o comparando a uma religião, chegamos a denominadores comuns. Se levarmos em conta a mobilização de fiéis “em torno de ritos e palavras sagradas”, a complicação apenas se faz presente quando paramos para pensar que, se assim é, a explicação para o fato do fascismo ter obtido êxito em alguns países cristãos e não em outros se liga à teoria de que a “crise ontológica de inícios do século XX era mais severa na Alemanha e na Itália que na França e na Grã-Bretanha, tese que talvez seja difícil provar” (Paxton, P. 350).

Na penúltima parte do texto, intitulada “Fronteiras”, Paxton levanta a existência de modelos que poderiam ser considerados fascistas durante a década de 1930, quando a Alemanha e a Itália alcançavam mais sucesso que as democracias, e traça as tais fronteiras entre eles.

A primeira e mais simples fronteira é a que separa o fascismo da tirania clássica, pois ao invés de reduzir os cidadãos ao silêncio, ele “encontrou uma técnica para canalizar suas paixões para a construção de uma unidade doméstica compulsória em torno de projetos de limpeza interna e de expansão externa” (Paxton, P.354)
A segunda fronteira é estabelecida com as ditaduras militares. Apesar de os fascismos terem um cunho militarista e valorizarem como ninguém a imagem do militar, a maioria das ditaduras militares não recorre às massas, atuando como simples tirania e não ousando “desencadear a excitação popular do fascismo”.
Por último está a fronteira do autoritarismo. Sobre esta Paxton nos esclarece que “embora seja comum que os regimes autoritários desrespeitem as liberdades civis e sejam capazes de brutalidade homicida, não compartilham da ânsia fascista de reduzir a zero a esfera privada. Aceitam domínios de espaço privado, mal definidos, embora reais, para ‘grupos intermediários’, como as pessoas de renome do país, os cartéis e as associações econômicas, os corpos de oficiais, as famílias e as igrejas (...). Os autoritários preferem deixar suas populações desmobilizadas e passivas, ao passo que os fascistas querem engajar e excitar o público (...). Hesitam em intervir na economia,c coisa que os fascistas estão sempre prontos a fazer, ou em criar programas de bem-estar social” (Paxton, P.356).
Chegamos a última parte do texto, onde a busca pela definição do fascismo entende que não é possível esculturá-lo de forma precisa e irrefutável. Apesar disso, Paxton o estrutura a partir de elementos profundamente estudados nesse capítulo, ressaltando que, como observou Franz Neumann, “a ideologia nacional-socialista muda constantemente” e colocando em tópicos o que chama de suas “paixões mobilizadoras”, como a primazia do grupo, a necessidade da autoridade dos chefes naturais, o elogio da violência e o direito do povo eleito dominar os demais, entre outros. O último parágrafo preocupa-se em deixar claro que, pelas noções que estudamos até aqui, o fascismo ainda é visível nos dias de hoje, ressaltando que “nossas chances de reagir de forma sensata serão muito maiores se compreendermos de que forma ele veio a alcançar êxito no passado”. (Paxton, P. 361).


Bibliografia: A Anatomia do fascismo. Paxton, Robert O.