sábado, 21 de junho de 2008

Texto 11 - Luis Milman.

O texto de Luis Milman se desenrola tendo como base o histórico do pensamento revisionista. Ele coloca que desde os anos 80 a preocupação entre intelectuais e ativistas dos direitos humanos vem aumentando de acordo com a necessidade crescente de elucidação de toda a questão do holocausto e a refutação às afirmações negacionistas.

Para Milman, discutir o negacionismo é discutir o anti-semitismo, pois através de algumas análises desse fenômeno vemos a direção que ele pretende seguir. A divisão inicial do texto em constatações preliminares facilita a visualização dessa idéia colocada.

A primeira constatação é que o negacionismo não é uma interpretação alternativa da história através de uma perspectiva historiográfica, sendo uma construção fictícia. Isso nos obriga a lembrar que memória e história não são a mesma coisa, pois a primeira é completamente volátil, enquanto a segunda tem caráter científico bem definido. Os negacionistas usam de muitas explicações simplistas para negar o holocausto e dicriminalizar, assim, o regime nazista. A questão é que não há a possibilidade de se travar uma disputa quanto a existência ou não do extermínio em massa e a forma como foi planejado e executado, pois existem muitas provas, documentação suficiente e testemunhos para sabermos o que ocorreu. Esta seria uma segunda constatação.

A terceira está baseada na tentativa de minimizar os crimes nazistas do decorrer da guerra comparando-os aos crimes cometidos pelos aliados, tanto na guerra quanto em outras épocas. O negacionismo é uma deformação histórica que usa de uma “demagogia pseudocientífica” para conseguir adeptos a sua ideologia. O holocausto colocado como crime de guerra e os judeus sendo comparados a outros inimigos em alusão, como os argelinos para os franceses durante as décadas de 50 e 60, ou o Vietnã para os EUA, são um exemplo dessa demagogia comparativa de caráter falacioso que pode acabar por convencer. É uma racionalização sobre as circunstâncias d guerra que não é justificável, mesmo em meio a outros crimes contra a humanidade.

“Os negacionistas apresentam-se como pesquisadores dedicados a questionar a ‘história oficial’”, mas quando vistos de perto são anti-semitas preocupados em habilitar o fascismo e o neofascismo. O negacionismo também é apropriado como “forma de denunciar um alegado artificialismo de Israel (...). Desse modo, o negacionismo passa a servir de justificativa para a rejeição de qualquer forma de compromisso com a existência política de Israel, rejeição a qual apegam-se setores árabes e muçulmanos ideologicamente intransigentes” (Milman, pg. 3).

Milman trata também de Rassimir e Faurisson, “personagens em torno dos quais a escola negacionista construiu suas bases atuais” (Milman, pg. 4). Estes personagens, como muitos outros, ganham cada vez mais uma cara neofascista, a medida que a extrema direita radical e anti-semita se agrupa em torno deles. Apesar disso, uma esquerda radicalmente anti-sionista acolheu Farisson, o que criou uma disputa em torno do negacionismo na França, causando uma grande confusão na natureza do movimento.

É clara a visualização de quem compõe o negacionismo hoje em dia: anti-semitas, saudosistas de Vichy e neonazistas, que, na maioria das vezes, possuem discursos repetidos, por vezes absurdos e sempre parciais. Vale ressaltar que a “história oficial” não pode ser visualizada apenas como a versão dos vencedores, e sim como preocupada em estabelecer o que ocorreu ou não de maneira científica, para que crimes contra a humanidade sejam impedidos no futuro.

Bibliografia: Milman, Luis. Negacionismo: Gênese e desenvolvimento do extermínio conceitual.

sexta-feira, 20 de junho de 2008

Texto 10 – Krause-Vilmar

A negação dos assassinatos em massa cometidos pelos nacional-socialistas durante a Segunda Guerra ficou conhecida como revisionismo. Os revisionistas vêm ganhando espaço, visto que a atual geração encontra-se bem distante do que ocorreu nas décadas de 30 e 40. Os jovens do século XXI podem tender à descrença quanto aos relatos-denúncia do holocausto por estes fazerem parte de um passado embaçado e cruel demais para seu entendimento. É por isso que é tão importante trazer o tema para a atualidade, informando os estudantes e a população em geral. O professor Vilmar cita uma colocação da historiadora norte-americana Deborah Lipstadt que acho válida destacar: “Necessitamos nos ocupar da questão porque as forças da Razão são vulneráveis e porque a sociedade é suscetível a idéias aberrantes” (Krause-Vilmar, p. 1). Ora, nossa sociedade se torna cada vez mais alienada e, por isso, vulnerável a idéias que, à primeira vista, parecem contundentes, mas não são. Precisamos mudar isso através da informação séria, com metodologia e cientificidade histórica.

Quanto a isso, precisamos entender porque o revisionismo não pode ser considerado científico, ou mesmo imparcial em sua análise da História. Seus adeptos se colocam com a pretensão de revisar a História, usando para isso uma falsa cientificidade não visualizada por receptores leigos. Os revisionistas são normalmente anti-semitas interessados em vilanizar os judeus e os aliados em detrimento da demonização que foi feita da Alemanha. Para isso relativizam as declarações de testemunhas da época, dizendo que elas “exageravam nos relatos de suas vivências” (Krause-Vilmar, p. 1), negam o número de pessoas assassinadas, as técnicas do extermínio em massa, a existência das câmaras de gás e até o fato de que se os crimes foram realmente cometidos, não foram ordenados pelas lideranças nazistas. Eles usam de diversas descontextualizações de relatos, fatos e documentos, afirmando que os judeus é que formavam um complô internacional e que a guerra foi imposta aos alemães. Chamam de “mentirosos” os ex-presos dos campos de concentração e extermínio e manipulam informações tendo em vista seu interesse revisionista. “Um dos negadores do holocausto, Stãglich, desacredita as testemunhas oculares dos assassinatos ocorridos nas câmaras de gás com as seguintes palavras: “Na medida em que as testemunhas dos assassinatos nas câmaras de gás são judeus, elas nos ficam devendo uma explicação convincente para a pergunta da razão de justamente elas terem sido poupadas dessas ações de extermínio” (Krause-Vilmar, p. 6). Vemos aqui o quão apelativo pode ser o discurso revisionista.

Sabemos bem que os crimes ocorreram dos dois lados (eixo e aliados), mas não é pela negação dos crimes nazistas que podemos acusar os aliados. Negar o holocausto é ferir a memória dos milhões de mortos e sobreviventes dos horrores dos campos de concentração. Vemos cada vez mais a insuficiência de informações científicas sobre o tema influenciar negativamente o censo-comum, impregnado pela cultura pop de revistas que mistificam demais o nazismo e adquirem caráter de divulgação reducionista de toda a questão.

É certo que não é qualquer argumento revisionista que é de fácil refutação, pois ainda existem muitos mistérios em torno do holocausto, mas no geral podemos sim demonstrar que os revisionistas são falaciosos, parciais e anti-semitas, além de muitas vezes, neonazistas; primeiro pelo método que aplicam para justificar suas crenças, apoiando-se em manipulações interesseiras dos fatos; segundo pela quantidade de provas irrefutáveis que comprovam a prática do assassinato em massa, como os diários de diversos oficiais. O mais importante em meio a essa questão é atrair a atenção do público para o que é real e o que foi manipulado, selando, assim, o compromisso que a história tem de divulgar criticamente o passado.

Bibliografia: Krause-Vilmar, Dietfrid. “A negação dos assassinatos em massa do nacional socialismo: desafios para a ciência e para a educação política”.

terça-feira, 10 de junho de 2008

Resenha do livro “O Diário de Anne Frank”.

"Uma voz fala pelos seis milhões de judeus mortos; a voz não é de um sábio, nem de um poeta, mas de uma jovem como tantas e tantas outras".

Ilya Ehrenburg, jornalista e escritor soviético.

O “Diário de Anne Frank” que temos a nossa disposição em livrarias de todo o mundo é um relato emocionante da história de uma família judia que residia na Holanda quanto esta foi ocupada pelos nazistas, em maio de 1940. Os Frank, junto com outra família, os Van Daan e o Doutor Dussel, todos judeus, ficaram escondidos entre 1942 e 1944 no chamado “Anexo Secreto”, no antigo edifício em que o pai de Anne, Otto Frank, trabalhava, tendo em vista a perseguição dos nazistas aos judeus. Sendo considerado um dos maiores símbolos literários do holocausto, o diário está no Instituto Holandês para Documentação da Guerra (NIOD).

A veracidade do diário de Anne foi e ainda é muito contestada, principalmente por grupos neonazistas e anti-semitas. As afirmações de falsificação são mais uma tentativa neonazista de negar a existência do holocausto. Com o objetivo de comprovar de uma vez por todas a veracidade das páginas de Anne, o Instituto publicou em 1986 a chamada “edição crítica”, baseando-se em análises científicas que refutassem as alegações de falsificação. Essa edição comparava as três versões então existentes do diário: A – a original, conjunto de cadernos e folhas que Anne usou para escrever durante todo o período de residência no Anexo; B – uma outra versão, feita pela própria Anne, que começara a revisar seus escritos quando do apelo radiofônico para a preservação de diários, cartas ou qualquer documento da época da guerra, em 1944 (Anne tinha a intenção de publicar um livro ao fim da guerra, sob o nome de “O Anexo Secreto”); e C – versão modificada pelo pai de Anne, que recebera os cadernos de Miep Gies (uma das “ajudantes externas” do pessoal do Anexo) após ser liberado do campo de concentração em que estava e descobrir que suas duas filhas haviam morrido no campo de Bergen-Belsen. Miep recolhera e guardara os cadernos depois da invasão da Gestapo ao esconderijo com o objetivo de devolvê-los a Anne. Esta terceira versão foi dada à publicação por Otto em 1947, suprimindo passagens em que a menina tratava de sua sexualidade, fazia duras críticas à mãe e questionava o relacionamento dos pais. A partir da publicação, muitas traduções foram sendo feitas, peças de teatro escritas e filmes produzidos. Em 1995 foi publicado o que ficou conhecido como a “edição definitiva”, incluindo 30% do material que Otto Frank censurara na primeira versão publicada, a C. Recentemente novos trechos que não constam na publicação de 95, que fora comemorativa ao 50º aniversário de morte de Anne, foram revisados, mas uma nova publicação ainda não foi feita.

Anne começou a escrever seu diário em 12 de junho de 1942, ao ganhá-lo de presente pelo seu aniversário. A frase que o abre, “Espero poder confiar inteiramente em você, como jamais confiei em alguém até hoje, e espero que você venha a ser um grande apoio e um grande conforto para mim”, soa quase como um presságio do que está por vir. As provações que Anne teria que passar parecem implícitas em sua fala, embora ela não soubesse qual seria seu trágico destino, assim como o de outros milhões de judeus europeus.

A família Frank emigrou da Alemanha em 1933, quando Hitler subiu ao poder, para Amsterdã, onde encontrou relativa paz até 1942. As proibições aos judeus, que se iniciaram com a guerra e a ocupação nazista, eram inúmeras: todos deveriam usar uma estrela amarela bem visível, não podiam andar de bicicleta ou bonde, não podiam dirigir automóveis, tinham um horário fixo para fazer compras em lojas específicas, obedeciam a um toque de recolher, não podiam freqüentar teatros, cinemas ou praticar esportes publicamente e eram obrigados a freqüentar apenas escolas judias. Mesmo com todas as proibições, Anne descreve a situação como “suportável”, substituindo tudo isso por uma paixão por livros. No início de julho seu pai já fala na necessidade deles se esconderem e tudo vai sendo preparado para isso. Ao chegar à casa deles uma convocação, supostamente para Otto Frank, mas que na realidade era para a irmã de Anne, Margot, a menina mostra o primeiro sinal de medo; pensa em campos de concentração e prisões, mas tenta não se deixa abater. Isso porque o eufemismo da convocação, “força de trabalho” já era bem conhecido por todos, significando quase sempre “campo de concentração”. A família começa a fazer as malas tendo em vista o iminente perigo que correm, e no dia seguinte partem para seu esconderijo, já tendo feito a mudança de vários de seus bens durante os meses anteriores. O Anexo Secreto ficava no segundo andar do prédio em que Otto trabalhava, com uma estante móvel disfarçando sua entrada. Alguns dos colegas de trabalho de Otto sabiam e ajudaram na mudança: o Sr. Kraler, Koophuis, Miep e Elli Vossen. Estes personagens foram de grande importância para os moradores do Anexo, pois, além de manterem seu segredo, os ajudaram de todas as formas possíveis, com suprimentos, notícias, amizade.

O diário é de interpretação complexa, primeiro devido a idade de Anne, segundo pelo fato de ser um diário pessoal, e terceiro graças a todo o clima de tensão do esconderijo. Por ser muito jovem, Anne talvez não conseguisse entender muitas atitudes dos adultos, acabando por interpretá-las de uma maneira toda própria, por vezes estranha e maniqueísta demais. Por outro lado, a menina parece ter um nível de discernimento incrível e olhos bem abertos para os problemas internos e externos da casa. A maneira como critica a todos, descrevendo sua personalidade, seus defeitos, seus medos e suas qualidades, é acompanhada da relação adulto-jovem dentro do Anexo, onde os adultos acham os jovens tolos e os jovens se enervam com eles por causa disso. Ressalto também o fato de Anne mostrar o quão esclarecidos e até mesmo politizados eram os jovens da década de 1940 comparado aos atuais, mostrando que, independente da idade, eles não eram alienados em relação aos problemas do mundo. Anne lia muito e sempre se preocupou com sua formação, queria ser culta, inteligente, para conseguir alcançar o sonho de ser escritora e jornalista.

O segundo fator de complicação, o fato de ser um diário pessoal, nos faz pensar no foco que Anne dava aos fatos. É certo que de início ela pretendia apenas usá-lo como confidente, tratando-o pelo nome de Kitty (como se o diário fosse uma amiga), mas depois de revisá-lo fervorosamente em 1944 ela já pretendia lançá-lo no futuro, para que o mundo conhecesse o sofrimento judeu durante a guerra através de sua história. Ela parecia sempre querer ressaltar sua maturidade, e para isso criticava muito a mãe, a irmã e a Senhora Van Daan. Não é possível afirmar nada, visto que só sabemos quem era Anne através de suas próprias palavras.

A tensão existente na casa é um fator um pouco mais fácil de compreender. Os residentes não podiam fazer barulho durante o dia, pois o escritório no andar de baixo funcionava normalmente; alimentavam-se basicamente de conservas, sopas e durante muitos períodos passavam fome; viviam isolados, tendo que conviver todos os dias com os defeitos de todos os moradores, compartilhando um banheiro, dormindo desconfortavelmente, vendo o mundo através de uma janela apenas durante a noite, pois os vizinhos não podiam suspeitar de que ali vivessem judeus. A tensão física e psicológica pela qual essas pessoas passaram e o medo que sentiam de ser descobertos a cada dia é comovente no relato de Anne. Eles apenas ouviam as bombas da guerra explodindo do lado de fora, por vezes escutavam notícias pelo rádio ou recebiam a visita dos amigos, que sempre traziam notícias, mas a esperança de que tudo fosse terminar bem era forçada ao pensamento. Apesar de momentos de puro pessimismo, os moradores tentavam ao máximo não se deixar abater pelo clima de chumbo.

Para Anne tudo se torna mais fácil quando ela descobre um sentimento pelo filho do casal Van Daan, Peter. Além da companhia de seu diário, ela agora tinha a de Peter, pois todos os outros moradores do Anexo não lhe agradavam por algum motivo, exceto talvez seu pai. O livro todo nos leva a uma análise psicológica de cada personagem, da relação entre eles e da própria situação em si. É difícil imaginar-se passando por isso, no entanto, muitos passaram durante a guerra e, como os moradores do Anexo Secreto, acabaram por ser descobertos e presos. Anne Frank simboliza de maneira bela e triste esse sofrimento, questionando-se sempre sobre a sanidade dos homens que fazem inocentes de bode-expiatório para os problemas vigentes.

A última página do diário é do dia primeiro de agosto de 1944. Sabe-se que à 4 de agosto a Polícia de Segurança alemã entrou no escritório e obrigou Kraler a revelar a entrada para o esconderijo. Os oito moradores foram presos, e após passarem um tempo no campo de Westerbork, foram mandados para Auschwitz. O Anexo foi saqueado, tendo os policiais levado quase tudo de valor que havia por lá, mas não se importando muito com as páginas de Anne. Margot, sua irmã, e a própria Anne foram mandadas para o campo de Bergen-Belsen, na Alemanha, onde morreram de tifo em março de 1945, pouco antes da liberação do campo pelos ingleses. O único que se salvou foi mesmo Otto Frank té hoje não se sabe de quem foi a denúncia que levou os moradores do esconderijo a destinos terríveis, sendo contada a história de uma voz feminina ao telefone, e a possibilidade de ter sido um amigo de Otto, Tonny Ahlers.

Hoje existe uma biografia de Anne Frank, escrita por Melissa Müller, além de várias fundações em sua homenagem em diversos países. O próprio Anexo Secreto, em Amsterdã, virou um museu, apesar da mobília original da época ser muito pouca, sendo a maioria reconstituição. A adolescente escritora é mundialmente conhecida, sendo uma das maiores personalidades representativas do holocausto. São relatos como o de Anne que nos permitem um estudo profundo com tom de denúncia sobre os crimes praticados contra diversos grupos considerados inferiores pelos nazistas (doentes físicos e mentais, gays, testemunhas de Jeová, judeus, etc), que os subjugaram até a resolução da “Solução Final” para o problema dos judeus: a morte nas câmaras de gás, que só terminou com o fim da guerra. O número de mortos é proporcional a sistematização da maldade dos envolvidos no que ficou conhecido como um dos piores genocídios da história.

Bibliografia: “O Diário de Anne Frank”

Revista Veja de 21/10/1998

www.annefrank.org

www.morasha.com.br

domingo, 1 de junho de 2008

Resenha sobre o filme “Arquitetura da Destruição”, de Peter Cohen

O documentário do sueco Peter Cohen traça a trajetória do nazismo em paralelo com os conceitos de arte de seu líder, Adolf Hitler. Ao assistir o filme, é fácil perceber a megalomania de Hitler a partir de seu ideal artístico, baseado na pura estética inspiradora do homem do III Reich. A concepção de beleza entrelaça-se com a do homem saudável e limpo, enquanto a feiúra é digna apenas de aniquilação. Nos esboços de construções grandiosas estava presente o ideal nazista de embelezamento do mundo, inspirado na arquitetura da antiguidade clássica, uma das fixações de Hitler. O novo homem alemão seria o mais belo e o mais saudável, enquanto Berlim, o centro do mundo, seria a capital com a mais bela e grandiosa arquitetura de todos os tempos.

Todas as formas de arte foram usadas como propaganda do estilo de vida alemão que se pretendia criar, mas o cinema merece especial destaque, principalmente no que concerne à necessidade de limpeza da pátria e à “solução final”. O filme “Vítimas do Passado”, de 1937 é um dos muitos sobre essa necessidade de limpar a Alemanha dos doentes físicos e mentais, que, se mantidos como cidadãos, só ajudariam a alimentar um processo que levaria a raça ariana a sucumbir. Além dos filmes propagandistas, a arte moderna foi usada como vitrine de todas as deformações e distorções dos valores de beleza humana, sendo organizadas exposições desta “arte degenerada”, reunindo obras de vanguarda, adquiridas ainda nos anos 20 e vistas agora como “degeneração cultural” e “presságio do destino”, caso atitudes drásticas não fossem tomadas. Associadas à arte bolchevique e judaica, a arte moderna servia como exemplo do que deveria ser combatido: as compleições deformadas, os comunistas e os judeus. Em contrapartida, a exaltação de corpos perfeitos, associados sempre à boa saúde, era feita pelas esculturas de inspiração grega.

Com essa idéia em mente, até o início da guerra, Hitler se preocupou em formular o conceito de arte de acordo com o seu próprio e em expor a “nova e genuína arte alemã”. Dedicou-se a trabalhos arquitetônicos de construção monumental, como a Chancelaria e o Palácio do Fürher e sedimentou através do “Bureau da beleza do trabalho” o local de trabalho como limpo e funcional, ressaltando a limpeza do ambiente e das pessoas (para ele, o despertar estético seria o princípio do fim das lutas de classe, visto que um povo bonito e saudável não lutaria entre si, e sim por um objetivo comum).

Com a invasão da Polônia e o início da guerra se deu o princípio do programa da eutanásia. A análise de pacientes era feita em cima de uma ficha onde constavam raça, religião e saúde física e mental. Os médicos, todos pertencentes ao partido nazista, eram os juízes que decidiam quem seria levado para as novas câmaras de monóxido de carbono, normalmente aqueles considerados inúteis até para trabalhar. Foram ministrados cursos especiais de medicina nazista, pois o objetivo médico agora não era cuidar de um paciente, e sim analisar quem poderia ou não sobreviver em meio a essa reorganização da pátria. Tudo pelo bem maior: a beleza e saúde da Nova Alemanha. A estética perfeita poderia ser conquistada através da violência, pois se era preciso destruir para, posteriormente, reconstruir, isso deveria ser feito.

Toda a Europa era cenário de uma remodelagem arquitetônica e artística. A arte da guerra pintava não só seus horrores, mas também suas glórias A invasão da Bélgica, da Holanda e da França trouxe novas apropriações de obras de arte para a Alemanha. Paris era modelo para se reprojetar Berlim, tarefa do arquiteto Albert Speer. A nova capital mundial teria um Arco do Triunfo duas vezes maior, um Centro Cultural gigantesco, uma arquitetura inigualável. Esse projeto andava de mãos dadas com todas as ideologias de grandeza do nazismo. Tudo deveria ser muito grandioso, do homem às construções. Em meio a tudo isso, assistimos ao assassínio em massa em câmaras e fornos projetados longe dos centros urbanos e dos olhos da raça pura. A construção desse mundo perfeito custou à humanidade milhões de vidas e o eterno medo da capacidade do homem de destruição. Mesmo quando o objetivo inicial é a construção.


Bibliografia: “Arquitetura da Destruição”, de Peter Cohen.
www.historianet.com.br

sexta-feira, 30 de maio de 2008

Texto 9 – Sol Negro, Cultos arianos, nazismo esotérico e políticas de identidade.

Políticas de Identidade

Neste capítulo, Goodrick-Clarke trabalha a questão do surgimento de grupos neonazistas em meio às políticas de privilégio de raças não-brancas (negros e hispânicos, principalmente) particularmente nos EUA. À medida que essas minorias ganhavam direitos, grupos neonazistas sugeriam que o domínio racial branco estava ameaçado em terras de ancestrais originalmente brancos (anglo-saxões). Claro que esse crescente racismo vem acompanhado por uma forte oposição da opinião liberal, mas a conjuntura da década de 1960 em diante engloba diversos fatores que reintroduziram a questão da raça nos Estados Unidos e na Europa Ocidental.

Os efeitos discriminatórios de políticas para negros nos EUA passam por cima da tradição anglo-americana de direitos individuais, desagradando os brancos. Os privilégios que o governo cria acabam por fomentar uma extrema direita racista. A questão é que quanto mais políticas de quotas, ou o número de ocorrências de crimes de negros contra brancos são usados como justificativa para se criar privilégios visando a inclusão social (que acabam por ser desiguais), mais cresce a extrema direita racista. “A preocupação com a responsabilidade dos brancos no fracasso das relações raciais também ignora a alta incidência de crimes e violência interétnicos. Essa desqualificação da crítica dos brancos por meio de acusações de racismo individual e ‘institucional’, somada à atitude de compensação em relação à identidade negra, tem sido um fator no estímulo esotérico da extrema direita racista” (Goodrick-Clarke, p. 398).

O neonazismo de caráter esotérico usa mitologias para negar a queda do “poder branco”, como se passássemos por uma era de degeneração que é comandada pela influência judaica no mundo, e que será superada com ao ressurgimento da Alemanha nazista. Essa concepção, propagada por Wilhelm Landing, é acompanhada por uma invocação de “mitologias quase völkisch de destino e identidade brancos” (Goodrick-Clarke, p. 399). Novos grupos que surgem tendem para uma ideologia defensiva, proporcionando a ascensão de um novo nacionalismo, ritmado com questões atuais da globalização, como a imigração e a derrubada de barreiras nacionais (exemplifica: Identidade Cristã, Igreja do Criador e pagãos raciais nórdicos). Tendo isso em vista, o autor afirma que os EUA possuem um solo fértil para o neonazismo, pois é “onde os desafios do multiculturalismo e da imigração vinda do Terceiro Mundo têm sido maiores” (Goodrick-Clarke, p.399). A imigração hispânica para os EUA é adubo para o crescente racismo no país. Faz-se necessário, visto que não se pode mais controlar a movimentação internacional (a imigração ilegal só nos EUA, por ano, é de 2 a 3 milhões de pessoas) implantar “políticas de bilingüismo e multiculturalismo no sistema educacional” (Goodrick-Clarke, p. 400). Esta conversão dos EUA e, em menos escala, da Europa, em “nações universais” exige análises profundas para que possamos manter os direitos humanos intactos e direcionar a educação da população para uma tolerância mundial: de raça, nacionalidade ou o que quer que seja.


Bibliografia: Goodrick-Clarke, Nicholas. Sol Negro, Cultos arianos, nazismo esotérico e políticas de identidade.

Texto 8 – Paulo Fagundes Vizentini

O ressurgimento da extrema direita e do neonazismo:
A dimensão histórica e internacional

Vizentini trata de uma questão recorrente à história: os fenômenos associados do neonazismo, da extrema direita e do extremismo político. No mundo em que vivemos é perceptível o quão tênue é a linha que os separa; não são fenômenos idênticos, mas podem ser associados de tal forma que nos trazem à tona questões do século passado. A análise do autor é dividida em duas partes comparativas: a primeira trata do nascimento, expansão, derrota e hibernação do processo fascista; a segunda, do ressurgimento e do novo “caldo cultural” dos anos 80 e 90.

Analisando a conjuntura em que o nazifascismo nasceu, Vizentini traça uma linha de causas: a questão da crise do liberalismo, o triunfo da Revolução Bolchevique, o fim da Primeira Guerra Mundial. Afirma: “A crise que se produziu a partir da Primeira Guerra Mundial, criou um espaço e gerou o ‘caldo de cultura’ necessário para o desenvolvimento rápido desses movimentos” (p. 2). Após situar no tempo o início da questão fascista, ele faz uma comparação dos movimentos da década de 1920 e 1930 com os novos movimentos que surgiram na década de 70, 80 e 90, citando um artigo do jornal Lê Monde Diplomatique. Relembra o quanto esses movimentos foram, de início, bem aceitos, vistos como um “mal menor” diante da ameaça vermelha que se fazia cada vez mais presente durante as primeiras décadas do século XX. Essa aceitação pôde ser visualizada a partir das “ligações e conexões internacionais que permitiram a afirmação do nazifascismo” (p. 2), e durou até as grandes nações perceberem que este “mal menor” adquiria gradativamente muito espaço e apoio das massas, tornando-se uma ameaça real.

Com o fascismo enfim derrotado e o fim da Segunda Guerra Mundial, tudo parecia voltar vagarosamente aos eixos, porém, a manutenção de regimes de perfil fascista na Europa, como Portugal de Salazar e a Espanha de Franco, se tornaria o primeiro fator que possibilitaria o ressurgimento posterior do fascismo. Estes regimes continuaram negociando com as potências vencedoras e se mantiveram no poder até a década de 1970.

Com o fim da Guerra veio a divisão geopolítica do mundo entre EUA e URSS. Ela não respeitou as particularidades dos países, acoplando tanto aos Estados Unidos quanto à União Soviética, países que não correspondiam exatamente à sua escolha econômica. Alguns de esquerda muito forte viram-se do lado ocidental e outros de esquerda fraca, do lado oriental. Assim, esses países ocidentais de esquerda forte precisavam de novos partidos de direita e centro-direita para a estabilização da vida política. “Obviamente que as direções desses partidos, os seus dirigentes, eram pessoas que vinham da oposição ao fascismo, algumas das quais haviam sido perseguidas (...)” (Vizentini, p. 3). O que não quis dizer muita coisa.

Com a necessidade de reconstrução desses países nos primeiros anos do pós-guerra veio o Plano Marshall e, com ele, uma nova tendência para julgamentos dos criminosos de guerra. Muitos foram inocentados nesse período, tendo em vista o clima internacional deteriorado e a Guerra Fria. No fim, àqueles que apoiaram financeiramente o fascismo acabaram escapando. Aqui temos o segundo fator que contribuiu para a breve hibernação do fascismo, que pode ser atrelado ao terceiro. Este último coloca as personalidades fascistas, que agora eram úteis de alguma forma para a Guerra Fria, como Klaus Barbie, um homem especializado no combate a organizações de esquerda e Wemer Von Braun, importante para o projeto espacial norte-americano, como pontos-chave. Muitas destas pessoas acabaram também prestando serviços em países do Terceiro Mundo, colaborando com regimes brutais, ou se engajando em guerras coloniais. A impunidade andava de mãos dadas com os interesses políticos e econômicos.

Enquanto antigas personalidades ganhavam espaço, a extrema direita de inspiração fascista ia se reorganizando por trás de uma máscara anticomunista. Esta camuflagem foi muito útil para a manutenção dessa direita na vida política de antigos países fascistas, apesar da “desnazificação” conduzida pelos novos governos, com “políticas educacionais específicas dirigidas aos estudantes e toda a geração que se seguiu à Guerra (...), ocorrendo progressivamente uma despolitização dessas populações” (Vizentini, p. 5). O “espírito antifascista”, muito presente no pós-guerra, durou até surgirem novas gerações, que não viveram a Guerra ou eram muito jovens e possuíam apenas lembranças remotas do que acontecera. Assim, mesmo que as novas organizações de direita continuassem mais como movimentos periféricos do que outra coisa, novas conjunturas abririam espaço para ela, tendo em vista a crescente falência do comunismo como opção as crises. A crise do petróleo e o desemprego na Europa, que ia se tornando estrutural, serviram de base para novas manifestações.

A Europa, que vinha se solidarizando com países do Terceiro Mundo (estes ainda passavam por revoluções ultranacionalistas ou socialistas, além de guerras, como a do Vietnã), muda o seu enfoque. Com as imigrações, que agora não tinham origem no leste ou no sul europeu, mas sim em ex-colônias ou em países periféricos em geral, os europeus passam a olhar os imigrantes (antes bem-vindos para realizar trabalhos que eles próprios não ocupavam) com outros olhos. A xenofobia entra em cena. Com ela surge o movimento dos hooligans e dos skinheads, juntamente com a retomada o culto ao militarismo, à força, à violência.

O misticismo e a religião fundamentalista vieram somar-se a esse quadro. A pós-modernidade vem para negar paradigmas anteriores: “o pensamento de que o mundo é inexplicável, contraditório” (Vizentini, p. 8) juntou-se a sensação de abandono que o fim do Estado de bem-estar social causou. A exclusão é o novo mote da esquerda e o discurso neonazista e racista ganha espaço em meio a esse colapso do Estado nacional. As novas necessidades das populações, não sendo supridas, transformam-se em movimentos radicais e terroristas. Em meio a isso tudo, vemo-nos obrigados a repensar o convívio humano de maneira a evitar novos desastres aparentemente escatológicos.

Bibliografia: Vizentini, Paulo Fagundes. O ressurgimento da extrema direita e do neonazismo: A dimensão histórica e internacional.

Texto 7 – O Fascismo ainda é possível? Robert O. Paxton.

Preocupando-se em estabelecer um entendimento correto do fascismo, Paxton visa delimitar o início e o fim deste fenômeno. Enquanto parece fácil identificar o começo do desenvolvimento pleno do fascismo (depois da Primeira Grande Guerra e da Revolução Bolchevique), seu limite posterior é de visualização mais complexa. É a partir dessa questão que o autor lança a pergunta: “O fascismo ainda é possível?”

A maior dificuldade para respondê-la é, situando o fenômeno em sua época, trazê-lo para os dias de hoje em essência, a partir de certas características generalizantes. Tendo surgido numa conjuntura de crise dos regimes democráticos (estes incapazes de lidar com as conseqüências da Primeira Guerra e com a disseminação da Revolução Bolchevique), não existiria com facilidade após o término da Segunda Guerra, graças à repugnância que o fascismo causava no pós-1945. As imagens dos campos de concentração divulgadas inspiravam apenas náuseas e repúdio àquele “sistema”. Além disso, a “crescente prosperidade e a globalização da economia mundial”, juntamente com “o triunfo do consumismo individual”, o “declínio da disponibilidade da guerra como instrumento de política nacional para os grandes países da era nuclear” e “a redução da credibilidade da ameaça revolucionária” (Paxton, p. 284), edificaram-se num grande obstáculo para o renascimento do fascismo. Apesar de todos esses fatores, a pergunta do autor é válida e preocupante.

Tudo depende, como foi dito, do que entendemos por “fascismo”, pois racismo e nacionalismo violentos não seriam seus pilares únicos de sustentação.”De qualquer forma, um fascismo de futuro - uma reação de emergência a alguma crise ainda não imaginada - não teria que ter semelhança perfeita com o fascismo clássico, em termos de seus signos e símbolos externos” (Paxton, p. 287). Um novo tipo surgiria, então, com as preocupações nacionais de nossa própria época. Seria mais um “equivalente funcional” do que uma capa do fascismo clássico. Provavelmente vestiria “os trajes típicos e patrióticos de seus países de origem” ao invés das “suásticas e fascios estrangeiros” (Paxton, p. 287).

Apesar da falta de credibilidade do fascismo no fim dos anos 40, movimentos e partidos de direita radical surgiam ou reviviam com uma máscara de aparência moderada nas décadas seguintes. Na Alemanha e na Itália o “neofascismo saudosista” conseguiu um pequeno espaço, mas sem alcançar o establishment nacional. França e Grã-Bretanha também apresentaram direitas radicais significativas, tendo em vista a perda de colônias e as conseqüências da guerra. No decorrer dos anos, novas conjunturas abriam espaço para essa extrema direita: “mudanças fundamentais nas esferas social, econômica e cultural estavam em curso, exacerbadas pela crise do petróleo e pela contração econômica que teve início em 1973” (Paxton, p. 294). O desemprego estrutural agora era uma realidade européia e os imigrantes, antes aceitos de braços abertos para ocupar tarefas que os europeus não se interessavam (o “trabalho sujo”), passaram a ser vistos com maus olhos. “Alguns dos órfãos da nossa economia, que, em épocas anteriores, teriam recorrido ao comunismo, voltaram-se agora para a direita radical, após o colapso da União Soviética ter desferido o golpe final no já desacreditado comunismo” (Paxton, p.295).

A imigração passou, então, a ser uma ameaça para a Europa. Os imigrantes que antes eram originários da Europa do sul e do leste passaram a vir das antigas colônias (África do norte, África subsaariana, Caribe, Índia, Paquistão e Turquia), dificultando a assimilação dessas pessoas, aferradas a costumes e religiões tão diferentes, na população geral. “A ameaça imigrante não era apenas econômica e social. Eles, com seus costumes, línguas e religiões estranhos, eram freqüentemente percebidos como um fator de enfraquecimento da identidade nacional” (Paxton, p. 296).

Aqui visualizamos de maneira clara a raíz do exacerbado xenofobismo europeu, exemplificado, principalmente pelos skinheads. A direita radical fizera um grande “achado” com a questão dos imigrantes a partir da década de 1970, mas o movimento skinhead (a partir dos anos 80) se tornou o componente mais perturbador da radicalização. O elogio da violência feito por esses “jovens ressentidos” andava de mãos dadas com insígnias nazistas. Ataques homicidas a africanos, muçulmanos e gays acompanharam um surto de incêndios na Alemanha. Em meio a toda essa problemática, o Estado do bem-estar social vinha perdendo espaço para a União Européia e para o mercado global. Também não calava a dúvida: “deveria também cuidar dos estrangeiros?”

As estatísticas demonstram que a extrema direita cresceu através dos anos problemáticos já descritos, mas “os líderes dos movimentos e partidos da extrema direita que alcançaram algum grau de sucesso se esforçam ao máximo para se distanciar da linguagem e da imagem do fascismo” (Paxton, p. 302). Lê Pen (França) e Haider (Áustria) nunca admitiram abertamente qualquer vínculo com o fascismo (apesar da imprensa ter mostrado que esses líderes não estavam nem de longe afastados do fascismo). O fato é que a clientela fascista não tinha para onde ir, agrupando-se, então, à direita moderada e satisfazendo-se com “insinuações subliminares” apenas. “Nos programas e nas declarações desses partidos ouvem-se ecos dos temas fascistas clássicos: medo da decadência e do declínio; afirmação da identidade nacional e cultural; a ameaça à identidade nacional e à ordem social representada pelos estrangeiros inassimiláveis; a necessidade de uma autoridade mais forte para lidar com esses problemas” (Paxton, p. 304)

O assunto torna-se uma faca d dois gumes quando analisamos outras características clássicas do fascismo que não estão presentes na direita radical mais bem sucedida da Europa: “O ataque fascista à liberdade de mercado e ao individualismo econômico, a ser sanado pelo corporativismo e pela regulamentação dos mercados, e o compromisso de reduzir a intervenção do Estado na economia, o que é norma na Europa” (Paxton, p. 304). Além disso, a direita radical do pós-guerra que obteve algum sucesso não propõe nada parecido com a substituição da democracia por uma ditadura de partido único e não possui interesse em guerras de expansão nacional (objetivo claro nas políticas de Mussolini e Hitler). O fato é que nenhum desses partidos se interessa em aderir a uma fachada fascista, pois hoje em dia não há espaço para movimentos abertamente filiados ao fascismo clássico.

O Leste Europeu pós-soviético

Com o fim da URSS, os Estados do leste europeu vivenciaram um crescente, porém fraco, movimento da direita radical. “A democracia conturbada e as dificuldades econômicas, somadas à contestação de fronteiras e à permanência de minorias étnicas descontentes, ofereciam solo fértil a esses movimentos” (Paxton, p. 309). Mas, retornando àquela idéia da falta de espaço para esses movimentos em geral, a Europa do leste se encaixava nesse discurso. A perspectiva de ingresso na União Européia acaba por sedimentar uma democracia as custas da alternativa integral-nacionalista.

O Fascismo fora da Europa

Deixando de lado o argumento de que o fascismo exige “pré-condições especificamente européias” podemos traçar uma análise do fenômeno em outros continentes. É importante ressaltar que generalizar ditaduras ou totalitarismos como fascistas é errôneo. Paxton afirma: “Se nos ativermos com firmeza à posição de Gaetano Salvemini, de que fascismo significa abrir mão das instituições livres, sendo, portanto, uma doença das democracias frágeis, então, é claro, nosso campo atinge aos países não europeus que um dia funcionaram como democracias, ou que, pelo menos, tenham tentado instalar um governo representativo” (p. 312). Existem critérios mais ou menos fixos para rotular de “fascista” algum governo.

Começando pela África, vemos que na década de 1930 os movimentos de proteção branca eram fortemente influenciados pelo nazismo na África do Sul, mas após 1945 essa influência se tornou mais discreta. Apesar disso, houve um grande medo de que o apartheid (1948) viesse a se tornar algo bem próximo ao fascismo, sanado pela liderança de Nelson Mandela. É difícil afirmar, porém, que a questão esteja encerrada, pois “as aspirações frustradas da maioria negra por uma melhoria mais rápida nos padrões de vida, particularmente se acompanhadas de violência, poderiam vir a provocar o surgimento de associações brancas de caráter defensivo” (Paxton, p. 313), com referências ao antigo fascismo dos dois lados.

A América Latina foi, provavelmente, o continente que mais se aproximou do fascismo. Enquanto Getúlio Vargas era apressadamente tachado de fascista (“Vargas não governava por meio de um partido fascista. Ao contrário, ele extinguiu os integralistas e os partidos pró-fascistas” – Paxton, p. 315), o coronel Juan Perón combinava muito mais com o estereotipo. “Admirava a ordem, a disciplina, a unidade e o entusiasmo da Itália fascista” (Paxton, p. 315), sendo considerado um líder carismático e tendo governado por partido único. Com “sua mania de paradas e cerimônias (...), sua economia corporativista, sua imprensa controlada, sua polícia repressiva, sua periódica violência contra a esquerda, seu Judiciário subjugado e seus estreitos vínculos com Franco, a Argentina de fato parecia fascista à geração da Segunda Guerra, que se acostumara a dividir o mundo entre fascistas e democratas” (Paxton, p. 318). Mas apesar das nítidas semelhanças, o apelo popular de Perón sempre foi mais explicitamente proletário e o ator principal do fascismo, o “inimigo demonizado” nunca existiu no peronismo. Além disso, o caráter expansionista também nunca se manifestou na Argentina de Perón.

Um terceiro caso não-europeu a ser estudado seria o japonês. Na década de 1930, enquanto os fascistas obtinham grande sucesso na Europa, surgiram também no Japão. “O governo japonês decidiu-se por um exame seletivo do cardápio fascista, adotando algumas de suas medidas de organização econômica corporativista e de controle popular, numa ‘revolução seletiva’ implementada pela ação estatal, ao mesmo tempo em que suprimia o ativismo popular desordenado dos movimentos fascistas autênticos” (Paxton, p. 325). O Império japonês de 1932-1945 não era nada mais que uma ditadura militar expansionista com mobilização popular patrocinada pelo Estado. Uma cara bem fascista.

Paxton argumenta em certa altura que “a religião pode ser tão poderosa quanto a nação como motor propulsor da identidade”. Como os novos fascismos não precisam necessariamente copiar o clássico quanto aos seus símbolos e sua retórica, um “povo eleito” podia se assemelhar ao fascismo. O que o próprio autor afirma como grande ironia. Aceitar movimentos fundamentalista (principalmente o islâmico) como fascistas seria falho por diversas razões, como não abrir mão de instituições livres (nunca existentes!) e não surgir por uma crise democrática.

A tentação, desde 1930, de generalizar a palavra fascismo para explicar diversos governos ou somente tendências momentâneas não deve ser cedida. Analisar corretamente novos movimentos é de extrema importância, para estarmos sempre precavidos de novas “catástrofes históricas”.

Bibliografia: Paxton, Robert O. A Anatomia do Fascismo.