sexta-feira, 30 de maio de 2008

Texto 7 – O Fascismo ainda é possível? Robert O. Paxton.

Preocupando-se em estabelecer um entendimento correto do fascismo, Paxton visa delimitar o início e o fim deste fenômeno. Enquanto parece fácil identificar o começo do desenvolvimento pleno do fascismo (depois da Primeira Grande Guerra e da Revolução Bolchevique), seu limite posterior é de visualização mais complexa. É a partir dessa questão que o autor lança a pergunta: “O fascismo ainda é possível?”

A maior dificuldade para respondê-la é, situando o fenômeno em sua época, trazê-lo para os dias de hoje em essência, a partir de certas características generalizantes. Tendo surgido numa conjuntura de crise dos regimes democráticos (estes incapazes de lidar com as conseqüências da Primeira Guerra e com a disseminação da Revolução Bolchevique), não existiria com facilidade após o término da Segunda Guerra, graças à repugnância que o fascismo causava no pós-1945. As imagens dos campos de concentração divulgadas inspiravam apenas náuseas e repúdio àquele “sistema”. Além disso, a “crescente prosperidade e a globalização da economia mundial”, juntamente com “o triunfo do consumismo individual”, o “declínio da disponibilidade da guerra como instrumento de política nacional para os grandes países da era nuclear” e “a redução da credibilidade da ameaça revolucionária” (Paxton, p. 284), edificaram-se num grande obstáculo para o renascimento do fascismo. Apesar de todos esses fatores, a pergunta do autor é válida e preocupante.

Tudo depende, como foi dito, do que entendemos por “fascismo”, pois racismo e nacionalismo violentos não seriam seus pilares únicos de sustentação.”De qualquer forma, um fascismo de futuro - uma reação de emergência a alguma crise ainda não imaginada - não teria que ter semelhança perfeita com o fascismo clássico, em termos de seus signos e símbolos externos” (Paxton, p. 287). Um novo tipo surgiria, então, com as preocupações nacionais de nossa própria época. Seria mais um “equivalente funcional” do que uma capa do fascismo clássico. Provavelmente vestiria “os trajes típicos e patrióticos de seus países de origem” ao invés das “suásticas e fascios estrangeiros” (Paxton, p. 287).

Apesar da falta de credibilidade do fascismo no fim dos anos 40, movimentos e partidos de direita radical surgiam ou reviviam com uma máscara de aparência moderada nas décadas seguintes. Na Alemanha e na Itália o “neofascismo saudosista” conseguiu um pequeno espaço, mas sem alcançar o establishment nacional. França e Grã-Bretanha também apresentaram direitas radicais significativas, tendo em vista a perda de colônias e as conseqüências da guerra. No decorrer dos anos, novas conjunturas abriam espaço para essa extrema direita: “mudanças fundamentais nas esferas social, econômica e cultural estavam em curso, exacerbadas pela crise do petróleo e pela contração econômica que teve início em 1973” (Paxton, p. 294). O desemprego estrutural agora era uma realidade européia e os imigrantes, antes aceitos de braços abertos para ocupar tarefas que os europeus não se interessavam (o “trabalho sujo”), passaram a ser vistos com maus olhos. “Alguns dos órfãos da nossa economia, que, em épocas anteriores, teriam recorrido ao comunismo, voltaram-se agora para a direita radical, após o colapso da União Soviética ter desferido o golpe final no já desacreditado comunismo” (Paxton, p.295).

A imigração passou, então, a ser uma ameaça para a Europa. Os imigrantes que antes eram originários da Europa do sul e do leste passaram a vir das antigas colônias (África do norte, África subsaariana, Caribe, Índia, Paquistão e Turquia), dificultando a assimilação dessas pessoas, aferradas a costumes e religiões tão diferentes, na população geral. “A ameaça imigrante não era apenas econômica e social. Eles, com seus costumes, línguas e religiões estranhos, eram freqüentemente percebidos como um fator de enfraquecimento da identidade nacional” (Paxton, p. 296).

Aqui visualizamos de maneira clara a raíz do exacerbado xenofobismo europeu, exemplificado, principalmente pelos skinheads. A direita radical fizera um grande “achado” com a questão dos imigrantes a partir da década de 1970, mas o movimento skinhead (a partir dos anos 80) se tornou o componente mais perturbador da radicalização. O elogio da violência feito por esses “jovens ressentidos” andava de mãos dadas com insígnias nazistas. Ataques homicidas a africanos, muçulmanos e gays acompanharam um surto de incêndios na Alemanha. Em meio a toda essa problemática, o Estado do bem-estar social vinha perdendo espaço para a União Européia e para o mercado global. Também não calava a dúvida: “deveria também cuidar dos estrangeiros?”

As estatísticas demonstram que a extrema direita cresceu através dos anos problemáticos já descritos, mas “os líderes dos movimentos e partidos da extrema direita que alcançaram algum grau de sucesso se esforçam ao máximo para se distanciar da linguagem e da imagem do fascismo” (Paxton, p. 302). Lê Pen (França) e Haider (Áustria) nunca admitiram abertamente qualquer vínculo com o fascismo (apesar da imprensa ter mostrado que esses líderes não estavam nem de longe afastados do fascismo). O fato é que a clientela fascista não tinha para onde ir, agrupando-se, então, à direita moderada e satisfazendo-se com “insinuações subliminares” apenas. “Nos programas e nas declarações desses partidos ouvem-se ecos dos temas fascistas clássicos: medo da decadência e do declínio; afirmação da identidade nacional e cultural; a ameaça à identidade nacional e à ordem social representada pelos estrangeiros inassimiláveis; a necessidade de uma autoridade mais forte para lidar com esses problemas” (Paxton, p. 304)

O assunto torna-se uma faca d dois gumes quando analisamos outras características clássicas do fascismo que não estão presentes na direita radical mais bem sucedida da Europa: “O ataque fascista à liberdade de mercado e ao individualismo econômico, a ser sanado pelo corporativismo e pela regulamentação dos mercados, e o compromisso de reduzir a intervenção do Estado na economia, o que é norma na Europa” (Paxton, p. 304). Além disso, a direita radical do pós-guerra que obteve algum sucesso não propõe nada parecido com a substituição da democracia por uma ditadura de partido único e não possui interesse em guerras de expansão nacional (objetivo claro nas políticas de Mussolini e Hitler). O fato é que nenhum desses partidos se interessa em aderir a uma fachada fascista, pois hoje em dia não há espaço para movimentos abertamente filiados ao fascismo clássico.

O Leste Europeu pós-soviético

Com o fim da URSS, os Estados do leste europeu vivenciaram um crescente, porém fraco, movimento da direita radical. “A democracia conturbada e as dificuldades econômicas, somadas à contestação de fronteiras e à permanência de minorias étnicas descontentes, ofereciam solo fértil a esses movimentos” (Paxton, p. 309). Mas, retornando àquela idéia da falta de espaço para esses movimentos em geral, a Europa do leste se encaixava nesse discurso. A perspectiva de ingresso na União Européia acaba por sedimentar uma democracia as custas da alternativa integral-nacionalista.

O Fascismo fora da Europa

Deixando de lado o argumento de que o fascismo exige “pré-condições especificamente européias” podemos traçar uma análise do fenômeno em outros continentes. É importante ressaltar que generalizar ditaduras ou totalitarismos como fascistas é errôneo. Paxton afirma: “Se nos ativermos com firmeza à posição de Gaetano Salvemini, de que fascismo significa abrir mão das instituições livres, sendo, portanto, uma doença das democracias frágeis, então, é claro, nosso campo atinge aos países não europeus que um dia funcionaram como democracias, ou que, pelo menos, tenham tentado instalar um governo representativo” (p. 312). Existem critérios mais ou menos fixos para rotular de “fascista” algum governo.

Começando pela África, vemos que na década de 1930 os movimentos de proteção branca eram fortemente influenciados pelo nazismo na África do Sul, mas após 1945 essa influência se tornou mais discreta. Apesar disso, houve um grande medo de que o apartheid (1948) viesse a se tornar algo bem próximo ao fascismo, sanado pela liderança de Nelson Mandela. É difícil afirmar, porém, que a questão esteja encerrada, pois “as aspirações frustradas da maioria negra por uma melhoria mais rápida nos padrões de vida, particularmente se acompanhadas de violência, poderiam vir a provocar o surgimento de associações brancas de caráter defensivo” (Paxton, p. 313), com referências ao antigo fascismo dos dois lados.

A América Latina foi, provavelmente, o continente que mais se aproximou do fascismo. Enquanto Getúlio Vargas era apressadamente tachado de fascista (“Vargas não governava por meio de um partido fascista. Ao contrário, ele extinguiu os integralistas e os partidos pró-fascistas” – Paxton, p. 315), o coronel Juan Perón combinava muito mais com o estereotipo. “Admirava a ordem, a disciplina, a unidade e o entusiasmo da Itália fascista” (Paxton, p. 315), sendo considerado um líder carismático e tendo governado por partido único. Com “sua mania de paradas e cerimônias (...), sua economia corporativista, sua imprensa controlada, sua polícia repressiva, sua periódica violência contra a esquerda, seu Judiciário subjugado e seus estreitos vínculos com Franco, a Argentina de fato parecia fascista à geração da Segunda Guerra, que se acostumara a dividir o mundo entre fascistas e democratas” (Paxton, p. 318). Mas apesar das nítidas semelhanças, o apelo popular de Perón sempre foi mais explicitamente proletário e o ator principal do fascismo, o “inimigo demonizado” nunca existiu no peronismo. Além disso, o caráter expansionista também nunca se manifestou na Argentina de Perón.

Um terceiro caso não-europeu a ser estudado seria o japonês. Na década de 1930, enquanto os fascistas obtinham grande sucesso na Europa, surgiram também no Japão. “O governo japonês decidiu-se por um exame seletivo do cardápio fascista, adotando algumas de suas medidas de organização econômica corporativista e de controle popular, numa ‘revolução seletiva’ implementada pela ação estatal, ao mesmo tempo em que suprimia o ativismo popular desordenado dos movimentos fascistas autênticos” (Paxton, p. 325). O Império japonês de 1932-1945 não era nada mais que uma ditadura militar expansionista com mobilização popular patrocinada pelo Estado. Uma cara bem fascista.

Paxton argumenta em certa altura que “a religião pode ser tão poderosa quanto a nação como motor propulsor da identidade”. Como os novos fascismos não precisam necessariamente copiar o clássico quanto aos seus símbolos e sua retórica, um “povo eleito” podia se assemelhar ao fascismo. O que o próprio autor afirma como grande ironia. Aceitar movimentos fundamentalista (principalmente o islâmico) como fascistas seria falho por diversas razões, como não abrir mão de instituições livres (nunca existentes!) e não surgir por uma crise democrática.

A tentação, desde 1930, de generalizar a palavra fascismo para explicar diversos governos ou somente tendências momentâneas não deve ser cedida. Analisar corretamente novos movimentos é de extrema importância, para estarmos sempre precavidos de novas “catástrofes históricas”.

Bibliografia: Paxton, Robert O. A Anatomia do Fascismo.

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