O ressurgimento da extrema direita e do neonazismo:
A dimensão histórica e internacional
Vizentini trata de uma questão recorrente à história: os fenômenos associados do neonazismo, da extrema direita e do extremismo político. No mundo em que vivemos é perceptível o quão tênue é a linha que os separa; não são fenômenos idênticos, mas podem ser associados de tal forma que nos trazem à tona questões do século passado. A análise do autor é dividida em duas partes comparativas: a primeira trata do nascimento, expansão, derrota e hibernação do processo fascista; a segunda, do ressurgimento e do novo “caldo cultural” dos anos 80 e 90.
Analisando a conjuntura em que o nazifascismo nasceu, Vizentini traça uma linha de causas: a questão da crise do liberalismo, o triunfo da Revolução Bolchevique, o fim da Primeira Guerra Mundial. Afirma: “A crise que se produziu a partir da Primeira Guerra Mundial, criou um espaço e gerou o ‘caldo de cultura’ necessário para o desenvolvimento rápido desses movimentos” (p. 2). Após situar no tempo o início da questão fascista, ele faz uma comparação dos movimentos da década de 1920 e 1930 com os novos movimentos que surgiram na década de 70, 80 e 90, citando um artigo do jornal Lê Monde Diplomatique. Relembra o quanto esses movimentos foram, de início, bem aceitos, vistos como um “mal menor” diante da ameaça vermelha que se fazia cada vez mais presente durante as primeiras décadas do século XX. Essa aceitação pôde ser visualizada a partir das “ligações e conexões internacionais que permitiram a afirmação do nazifascismo” (p. 2), e durou até as grandes nações perceberem que este “mal menor” adquiria gradativamente muito espaço e apoio das massas, tornando-se uma ameaça real.
Com o fascismo enfim derrotado e o fim da Segunda Guerra Mundial, tudo parecia voltar vagarosamente aos eixos, porém, a manutenção de regimes de perfil fascista na Europa, como Portugal de Salazar e a Espanha de Franco, se tornaria o primeiro fator que possibilitaria o ressurgimento posterior do fascismo. Estes regimes continuaram negociando com as potências vencedoras e se mantiveram no poder até a década de 1970.
Com o fim da Guerra veio a divisão geopolítica do mundo entre EUA e URSS. Ela não respeitou as particularidades dos países, acoplando tanto aos Estados Unidos quanto à União Soviética, países que não correspondiam exatamente à sua escolha econômica. Alguns de esquerda muito forte viram-se do lado ocidental e outros de esquerda fraca, do lado oriental. Assim, esses países ocidentais de esquerda forte precisavam de novos partidos de direita e centro-direita para a estabilização da vida política. “Obviamente que as direções desses partidos, os seus dirigentes, eram pessoas que vinham da oposição ao fascismo, algumas das quais haviam sido perseguidas (...)” (Vizentini, p. 3). O que não quis dizer muita coisa.
Com a necessidade de reconstrução desses países nos primeiros anos do pós-guerra veio o Plano Marshall e, com ele, uma nova tendência para julgamentos dos criminosos de guerra. Muitos foram inocentados nesse período, tendo em vista o clima internacional deteriorado e a Guerra Fria. No fim, àqueles que apoiaram financeiramente o fascismo acabaram escapando. Aqui temos o segundo fator que contribuiu para a breve hibernação do fascismo, que pode ser atrelado ao terceiro. Este último coloca as personalidades fascistas, que agora eram úteis de alguma forma para a Guerra Fria, como Klaus Barbie, um homem especializado no combate a organizações de esquerda e Wemer Von Braun, importante para o projeto espacial norte-americano, como pontos-chave. Muitas destas pessoas acabaram também prestando serviços em países do Terceiro Mundo, colaborando com regimes brutais, ou se engajando em guerras coloniais. A impunidade andava de mãos dadas com os interesses políticos e econômicos.
Enquanto antigas personalidades ganhavam espaço, a extrema direita de inspiração fascista ia se reorganizando por trás de uma máscara anticomunista. Esta camuflagem foi muito útil para a manutenção dessa direita na vida política de antigos países fascistas, apesar da “desnazificação” conduzida pelos novos governos, com “políticas educacionais específicas dirigidas aos estudantes e toda a geração que se seguiu à Guerra (...), ocorrendo progressivamente uma despolitização dessas populações” (Vizentini, p. 5). O “espírito antifascista”, muito presente no pós-guerra, durou até surgirem novas gerações, que não viveram a Guerra ou eram muito jovens e possuíam apenas lembranças remotas do que acontecera. Assim, mesmo que as novas organizações de direita continuassem mais como movimentos periféricos do que outra coisa, novas conjunturas abririam espaço para ela, tendo em vista a crescente falência do comunismo como opção as crises. A crise do petróleo e o desemprego na Europa, que ia se tornando estrutural, serviram de base para novas manifestações.
A Europa, que vinha se solidarizando com países do Terceiro Mundo (estes ainda passavam por revoluções ultranacionalistas ou socialistas, além de guerras, como a do Vietnã), muda o seu enfoque. Com as imigrações, que agora não tinham origem no leste ou no sul europeu, mas sim em ex-colônias ou em países periféricos em geral, os europeus passam a olhar os imigrantes (antes bem-vindos para realizar trabalhos que eles próprios não ocupavam) com outros olhos. A xenofobia entra em cena. Com ela surge o movimento dos hooligans e dos skinheads, juntamente com a retomada o culto ao militarismo, à força, à violência.
O misticismo e a religião fundamentalista vieram somar-se a esse quadro. A pós-modernidade vem para negar paradigmas anteriores: “o pensamento de que o mundo é inexplicável, contraditório” (Vizentini, p. 8) juntou-se a sensação de abandono que o fim do Estado de bem-estar social causou. A exclusão é o novo mote da esquerda e o discurso neonazista e racista ganha espaço em meio a esse colapso do Estado nacional. As novas necessidades das populações, não sendo supridas, transformam-se em movimentos radicais e terroristas. Em meio a isso tudo, vemo-nos obrigados a repensar o convívio humano de maneira a evitar novos desastres aparentemente escatológicos.
Bibliografia: Vizentini, Paulo Fagundes. O ressurgimento da extrema direita e do neonazismo: A dimensão histórica e internacional.
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