sexta-feira, 30 de maio de 2008

Texto 9 – Sol Negro, Cultos arianos, nazismo esotérico e políticas de identidade.

Políticas de Identidade

Neste capítulo, Goodrick-Clarke trabalha a questão do surgimento de grupos neonazistas em meio às políticas de privilégio de raças não-brancas (negros e hispânicos, principalmente) particularmente nos EUA. À medida que essas minorias ganhavam direitos, grupos neonazistas sugeriam que o domínio racial branco estava ameaçado em terras de ancestrais originalmente brancos (anglo-saxões). Claro que esse crescente racismo vem acompanhado por uma forte oposição da opinião liberal, mas a conjuntura da década de 1960 em diante engloba diversos fatores que reintroduziram a questão da raça nos Estados Unidos e na Europa Ocidental.

Os efeitos discriminatórios de políticas para negros nos EUA passam por cima da tradição anglo-americana de direitos individuais, desagradando os brancos. Os privilégios que o governo cria acabam por fomentar uma extrema direita racista. A questão é que quanto mais políticas de quotas, ou o número de ocorrências de crimes de negros contra brancos são usados como justificativa para se criar privilégios visando a inclusão social (que acabam por ser desiguais), mais cresce a extrema direita racista. “A preocupação com a responsabilidade dos brancos no fracasso das relações raciais também ignora a alta incidência de crimes e violência interétnicos. Essa desqualificação da crítica dos brancos por meio de acusações de racismo individual e ‘institucional’, somada à atitude de compensação em relação à identidade negra, tem sido um fator no estímulo esotérico da extrema direita racista” (Goodrick-Clarke, p. 398).

O neonazismo de caráter esotérico usa mitologias para negar a queda do “poder branco”, como se passássemos por uma era de degeneração que é comandada pela influência judaica no mundo, e que será superada com ao ressurgimento da Alemanha nazista. Essa concepção, propagada por Wilhelm Landing, é acompanhada por uma invocação de “mitologias quase völkisch de destino e identidade brancos” (Goodrick-Clarke, p. 399). Novos grupos que surgem tendem para uma ideologia defensiva, proporcionando a ascensão de um novo nacionalismo, ritmado com questões atuais da globalização, como a imigração e a derrubada de barreiras nacionais (exemplifica: Identidade Cristã, Igreja do Criador e pagãos raciais nórdicos). Tendo isso em vista, o autor afirma que os EUA possuem um solo fértil para o neonazismo, pois é “onde os desafios do multiculturalismo e da imigração vinda do Terceiro Mundo têm sido maiores” (Goodrick-Clarke, p.399). A imigração hispânica para os EUA é adubo para o crescente racismo no país. Faz-se necessário, visto que não se pode mais controlar a movimentação internacional (a imigração ilegal só nos EUA, por ano, é de 2 a 3 milhões de pessoas) implantar “políticas de bilingüismo e multiculturalismo no sistema educacional” (Goodrick-Clarke, p. 400). Esta conversão dos EUA e, em menos escala, da Europa, em “nações universais” exige análises profundas para que possamos manter os direitos humanos intactos e direcionar a educação da população para uma tolerância mundial: de raça, nacionalidade ou o que quer que seja.


Bibliografia: Goodrick-Clarke, Nicholas. Sol Negro, Cultos arianos, nazismo esotérico e políticas de identidade.

Texto 8 – Paulo Fagundes Vizentini

O ressurgimento da extrema direita e do neonazismo:
A dimensão histórica e internacional

Vizentini trata de uma questão recorrente à história: os fenômenos associados do neonazismo, da extrema direita e do extremismo político. No mundo em que vivemos é perceptível o quão tênue é a linha que os separa; não são fenômenos idênticos, mas podem ser associados de tal forma que nos trazem à tona questões do século passado. A análise do autor é dividida em duas partes comparativas: a primeira trata do nascimento, expansão, derrota e hibernação do processo fascista; a segunda, do ressurgimento e do novo “caldo cultural” dos anos 80 e 90.

Analisando a conjuntura em que o nazifascismo nasceu, Vizentini traça uma linha de causas: a questão da crise do liberalismo, o triunfo da Revolução Bolchevique, o fim da Primeira Guerra Mundial. Afirma: “A crise que se produziu a partir da Primeira Guerra Mundial, criou um espaço e gerou o ‘caldo de cultura’ necessário para o desenvolvimento rápido desses movimentos” (p. 2). Após situar no tempo o início da questão fascista, ele faz uma comparação dos movimentos da década de 1920 e 1930 com os novos movimentos que surgiram na década de 70, 80 e 90, citando um artigo do jornal Lê Monde Diplomatique. Relembra o quanto esses movimentos foram, de início, bem aceitos, vistos como um “mal menor” diante da ameaça vermelha que se fazia cada vez mais presente durante as primeiras décadas do século XX. Essa aceitação pôde ser visualizada a partir das “ligações e conexões internacionais que permitiram a afirmação do nazifascismo” (p. 2), e durou até as grandes nações perceberem que este “mal menor” adquiria gradativamente muito espaço e apoio das massas, tornando-se uma ameaça real.

Com o fascismo enfim derrotado e o fim da Segunda Guerra Mundial, tudo parecia voltar vagarosamente aos eixos, porém, a manutenção de regimes de perfil fascista na Europa, como Portugal de Salazar e a Espanha de Franco, se tornaria o primeiro fator que possibilitaria o ressurgimento posterior do fascismo. Estes regimes continuaram negociando com as potências vencedoras e se mantiveram no poder até a década de 1970.

Com o fim da Guerra veio a divisão geopolítica do mundo entre EUA e URSS. Ela não respeitou as particularidades dos países, acoplando tanto aos Estados Unidos quanto à União Soviética, países que não correspondiam exatamente à sua escolha econômica. Alguns de esquerda muito forte viram-se do lado ocidental e outros de esquerda fraca, do lado oriental. Assim, esses países ocidentais de esquerda forte precisavam de novos partidos de direita e centro-direita para a estabilização da vida política. “Obviamente que as direções desses partidos, os seus dirigentes, eram pessoas que vinham da oposição ao fascismo, algumas das quais haviam sido perseguidas (...)” (Vizentini, p. 3). O que não quis dizer muita coisa.

Com a necessidade de reconstrução desses países nos primeiros anos do pós-guerra veio o Plano Marshall e, com ele, uma nova tendência para julgamentos dos criminosos de guerra. Muitos foram inocentados nesse período, tendo em vista o clima internacional deteriorado e a Guerra Fria. No fim, àqueles que apoiaram financeiramente o fascismo acabaram escapando. Aqui temos o segundo fator que contribuiu para a breve hibernação do fascismo, que pode ser atrelado ao terceiro. Este último coloca as personalidades fascistas, que agora eram úteis de alguma forma para a Guerra Fria, como Klaus Barbie, um homem especializado no combate a organizações de esquerda e Wemer Von Braun, importante para o projeto espacial norte-americano, como pontos-chave. Muitas destas pessoas acabaram também prestando serviços em países do Terceiro Mundo, colaborando com regimes brutais, ou se engajando em guerras coloniais. A impunidade andava de mãos dadas com os interesses políticos e econômicos.

Enquanto antigas personalidades ganhavam espaço, a extrema direita de inspiração fascista ia se reorganizando por trás de uma máscara anticomunista. Esta camuflagem foi muito útil para a manutenção dessa direita na vida política de antigos países fascistas, apesar da “desnazificação” conduzida pelos novos governos, com “políticas educacionais específicas dirigidas aos estudantes e toda a geração que se seguiu à Guerra (...), ocorrendo progressivamente uma despolitização dessas populações” (Vizentini, p. 5). O “espírito antifascista”, muito presente no pós-guerra, durou até surgirem novas gerações, que não viveram a Guerra ou eram muito jovens e possuíam apenas lembranças remotas do que acontecera. Assim, mesmo que as novas organizações de direita continuassem mais como movimentos periféricos do que outra coisa, novas conjunturas abririam espaço para ela, tendo em vista a crescente falência do comunismo como opção as crises. A crise do petróleo e o desemprego na Europa, que ia se tornando estrutural, serviram de base para novas manifestações.

A Europa, que vinha se solidarizando com países do Terceiro Mundo (estes ainda passavam por revoluções ultranacionalistas ou socialistas, além de guerras, como a do Vietnã), muda o seu enfoque. Com as imigrações, que agora não tinham origem no leste ou no sul europeu, mas sim em ex-colônias ou em países periféricos em geral, os europeus passam a olhar os imigrantes (antes bem-vindos para realizar trabalhos que eles próprios não ocupavam) com outros olhos. A xenofobia entra em cena. Com ela surge o movimento dos hooligans e dos skinheads, juntamente com a retomada o culto ao militarismo, à força, à violência.

O misticismo e a religião fundamentalista vieram somar-se a esse quadro. A pós-modernidade vem para negar paradigmas anteriores: “o pensamento de que o mundo é inexplicável, contraditório” (Vizentini, p. 8) juntou-se a sensação de abandono que o fim do Estado de bem-estar social causou. A exclusão é o novo mote da esquerda e o discurso neonazista e racista ganha espaço em meio a esse colapso do Estado nacional. As novas necessidades das populações, não sendo supridas, transformam-se em movimentos radicais e terroristas. Em meio a isso tudo, vemo-nos obrigados a repensar o convívio humano de maneira a evitar novos desastres aparentemente escatológicos.

Bibliografia: Vizentini, Paulo Fagundes. O ressurgimento da extrema direita e do neonazismo: A dimensão histórica e internacional.

Texto 7 – O Fascismo ainda é possível? Robert O. Paxton.

Preocupando-se em estabelecer um entendimento correto do fascismo, Paxton visa delimitar o início e o fim deste fenômeno. Enquanto parece fácil identificar o começo do desenvolvimento pleno do fascismo (depois da Primeira Grande Guerra e da Revolução Bolchevique), seu limite posterior é de visualização mais complexa. É a partir dessa questão que o autor lança a pergunta: “O fascismo ainda é possível?”

A maior dificuldade para respondê-la é, situando o fenômeno em sua época, trazê-lo para os dias de hoje em essência, a partir de certas características generalizantes. Tendo surgido numa conjuntura de crise dos regimes democráticos (estes incapazes de lidar com as conseqüências da Primeira Guerra e com a disseminação da Revolução Bolchevique), não existiria com facilidade após o término da Segunda Guerra, graças à repugnância que o fascismo causava no pós-1945. As imagens dos campos de concentração divulgadas inspiravam apenas náuseas e repúdio àquele “sistema”. Além disso, a “crescente prosperidade e a globalização da economia mundial”, juntamente com “o triunfo do consumismo individual”, o “declínio da disponibilidade da guerra como instrumento de política nacional para os grandes países da era nuclear” e “a redução da credibilidade da ameaça revolucionária” (Paxton, p. 284), edificaram-se num grande obstáculo para o renascimento do fascismo. Apesar de todos esses fatores, a pergunta do autor é válida e preocupante.

Tudo depende, como foi dito, do que entendemos por “fascismo”, pois racismo e nacionalismo violentos não seriam seus pilares únicos de sustentação.”De qualquer forma, um fascismo de futuro - uma reação de emergência a alguma crise ainda não imaginada - não teria que ter semelhança perfeita com o fascismo clássico, em termos de seus signos e símbolos externos” (Paxton, p. 287). Um novo tipo surgiria, então, com as preocupações nacionais de nossa própria época. Seria mais um “equivalente funcional” do que uma capa do fascismo clássico. Provavelmente vestiria “os trajes típicos e patrióticos de seus países de origem” ao invés das “suásticas e fascios estrangeiros” (Paxton, p. 287).

Apesar da falta de credibilidade do fascismo no fim dos anos 40, movimentos e partidos de direita radical surgiam ou reviviam com uma máscara de aparência moderada nas décadas seguintes. Na Alemanha e na Itália o “neofascismo saudosista” conseguiu um pequeno espaço, mas sem alcançar o establishment nacional. França e Grã-Bretanha também apresentaram direitas radicais significativas, tendo em vista a perda de colônias e as conseqüências da guerra. No decorrer dos anos, novas conjunturas abriam espaço para essa extrema direita: “mudanças fundamentais nas esferas social, econômica e cultural estavam em curso, exacerbadas pela crise do petróleo e pela contração econômica que teve início em 1973” (Paxton, p. 294). O desemprego estrutural agora era uma realidade européia e os imigrantes, antes aceitos de braços abertos para ocupar tarefas que os europeus não se interessavam (o “trabalho sujo”), passaram a ser vistos com maus olhos. “Alguns dos órfãos da nossa economia, que, em épocas anteriores, teriam recorrido ao comunismo, voltaram-se agora para a direita radical, após o colapso da União Soviética ter desferido o golpe final no já desacreditado comunismo” (Paxton, p.295).

A imigração passou, então, a ser uma ameaça para a Europa. Os imigrantes que antes eram originários da Europa do sul e do leste passaram a vir das antigas colônias (África do norte, África subsaariana, Caribe, Índia, Paquistão e Turquia), dificultando a assimilação dessas pessoas, aferradas a costumes e religiões tão diferentes, na população geral. “A ameaça imigrante não era apenas econômica e social. Eles, com seus costumes, línguas e religiões estranhos, eram freqüentemente percebidos como um fator de enfraquecimento da identidade nacional” (Paxton, p. 296).

Aqui visualizamos de maneira clara a raíz do exacerbado xenofobismo europeu, exemplificado, principalmente pelos skinheads. A direita radical fizera um grande “achado” com a questão dos imigrantes a partir da década de 1970, mas o movimento skinhead (a partir dos anos 80) se tornou o componente mais perturbador da radicalização. O elogio da violência feito por esses “jovens ressentidos” andava de mãos dadas com insígnias nazistas. Ataques homicidas a africanos, muçulmanos e gays acompanharam um surto de incêndios na Alemanha. Em meio a toda essa problemática, o Estado do bem-estar social vinha perdendo espaço para a União Européia e para o mercado global. Também não calava a dúvida: “deveria também cuidar dos estrangeiros?”

As estatísticas demonstram que a extrema direita cresceu através dos anos problemáticos já descritos, mas “os líderes dos movimentos e partidos da extrema direita que alcançaram algum grau de sucesso se esforçam ao máximo para se distanciar da linguagem e da imagem do fascismo” (Paxton, p. 302). Lê Pen (França) e Haider (Áustria) nunca admitiram abertamente qualquer vínculo com o fascismo (apesar da imprensa ter mostrado que esses líderes não estavam nem de longe afastados do fascismo). O fato é que a clientela fascista não tinha para onde ir, agrupando-se, então, à direita moderada e satisfazendo-se com “insinuações subliminares” apenas. “Nos programas e nas declarações desses partidos ouvem-se ecos dos temas fascistas clássicos: medo da decadência e do declínio; afirmação da identidade nacional e cultural; a ameaça à identidade nacional e à ordem social representada pelos estrangeiros inassimiláveis; a necessidade de uma autoridade mais forte para lidar com esses problemas” (Paxton, p. 304)

O assunto torna-se uma faca d dois gumes quando analisamos outras características clássicas do fascismo que não estão presentes na direita radical mais bem sucedida da Europa: “O ataque fascista à liberdade de mercado e ao individualismo econômico, a ser sanado pelo corporativismo e pela regulamentação dos mercados, e o compromisso de reduzir a intervenção do Estado na economia, o que é norma na Europa” (Paxton, p. 304). Além disso, a direita radical do pós-guerra que obteve algum sucesso não propõe nada parecido com a substituição da democracia por uma ditadura de partido único e não possui interesse em guerras de expansão nacional (objetivo claro nas políticas de Mussolini e Hitler). O fato é que nenhum desses partidos se interessa em aderir a uma fachada fascista, pois hoje em dia não há espaço para movimentos abertamente filiados ao fascismo clássico.

O Leste Europeu pós-soviético

Com o fim da URSS, os Estados do leste europeu vivenciaram um crescente, porém fraco, movimento da direita radical. “A democracia conturbada e as dificuldades econômicas, somadas à contestação de fronteiras e à permanência de minorias étnicas descontentes, ofereciam solo fértil a esses movimentos” (Paxton, p. 309). Mas, retornando àquela idéia da falta de espaço para esses movimentos em geral, a Europa do leste se encaixava nesse discurso. A perspectiva de ingresso na União Européia acaba por sedimentar uma democracia as custas da alternativa integral-nacionalista.

O Fascismo fora da Europa

Deixando de lado o argumento de que o fascismo exige “pré-condições especificamente européias” podemos traçar uma análise do fenômeno em outros continentes. É importante ressaltar que generalizar ditaduras ou totalitarismos como fascistas é errôneo. Paxton afirma: “Se nos ativermos com firmeza à posição de Gaetano Salvemini, de que fascismo significa abrir mão das instituições livres, sendo, portanto, uma doença das democracias frágeis, então, é claro, nosso campo atinge aos países não europeus que um dia funcionaram como democracias, ou que, pelo menos, tenham tentado instalar um governo representativo” (p. 312). Existem critérios mais ou menos fixos para rotular de “fascista” algum governo.

Começando pela África, vemos que na década de 1930 os movimentos de proteção branca eram fortemente influenciados pelo nazismo na África do Sul, mas após 1945 essa influência se tornou mais discreta. Apesar disso, houve um grande medo de que o apartheid (1948) viesse a se tornar algo bem próximo ao fascismo, sanado pela liderança de Nelson Mandela. É difícil afirmar, porém, que a questão esteja encerrada, pois “as aspirações frustradas da maioria negra por uma melhoria mais rápida nos padrões de vida, particularmente se acompanhadas de violência, poderiam vir a provocar o surgimento de associações brancas de caráter defensivo” (Paxton, p. 313), com referências ao antigo fascismo dos dois lados.

A América Latina foi, provavelmente, o continente que mais se aproximou do fascismo. Enquanto Getúlio Vargas era apressadamente tachado de fascista (“Vargas não governava por meio de um partido fascista. Ao contrário, ele extinguiu os integralistas e os partidos pró-fascistas” – Paxton, p. 315), o coronel Juan Perón combinava muito mais com o estereotipo. “Admirava a ordem, a disciplina, a unidade e o entusiasmo da Itália fascista” (Paxton, p. 315), sendo considerado um líder carismático e tendo governado por partido único. Com “sua mania de paradas e cerimônias (...), sua economia corporativista, sua imprensa controlada, sua polícia repressiva, sua periódica violência contra a esquerda, seu Judiciário subjugado e seus estreitos vínculos com Franco, a Argentina de fato parecia fascista à geração da Segunda Guerra, que se acostumara a dividir o mundo entre fascistas e democratas” (Paxton, p. 318). Mas apesar das nítidas semelhanças, o apelo popular de Perón sempre foi mais explicitamente proletário e o ator principal do fascismo, o “inimigo demonizado” nunca existiu no peronismo. Além disso, o caráter expansionista também nunca se manifestou na Argentina de Perón.

Um terceiro caso não-europeu a ser estudado seria o japonês. Na década de 1930, enquanto os fascistas obtinham grande sucesso na Europa, surgiram também no Japão. “O governo japonês decidiu-se por um exame seletivo do cardápio fascista, adotando algumas de suas medidas de organização econômica corporativista e de controle popular, numa ‘revolução seletiva’ implementada pela ação estatal, ao mesmo tempo em que suprimia o ativismo popular desordenado dos movimentos fascistas autênticos” (Paxton, p. 325). O Império japonês de 1932-1945 não era nada mais que uma ditadura militar expansionista com mobilização popular patrocinada pelo Estado. Uma cara bem fascista.

Paxton argumenta em certa altura que “a religião pode ser tão poderosa quanto a nação como motor propulsor da identidade”. Como os novos fascismos não precisam necessariamente copiar o clássico quanto aos seus símbolos e sua retórica, um “povo eleito” podia se assemelhar ao fascismo. O que o próprio autor afirma como grande ironia. Aceitar movimentos fundamentalista (principalmente o islâmico) como fascistas seria falho por diversas razões, como não abrir mão de instituições livres (nunca existentes!) e não surgir por uma crise democrática.

A tentação, desde 1930, de generalizar a palavra fascismo para explicar diversos governos ou somente tendências momentâneas não deve ser cedida. Analisar corretamente novos movimentos é de extrema importância, para estarmos sempre precavidos de novas “catástrofes históricas”.

Bibliografia: Paxton, Robert O. A Anatomia do Fascismo.

Texto 6 – Modernidade e Holocausto

Bauman aborda o fenômeno do Holocausto em sua complexidade única, preocupando-se com sua especificidade, relacionando-o à modernidade, de forma a explicitar a singularidade do genocídio administrado pelos nazistas durante a Segunda Guerra.

Começa com uma má notícia: se os estudos tentam entender a mente “criminosa” dos genocidas, Bauman nos mostra a “normalidade” do Holocausto. A questão que ele levanta na primeira parte do texto diz respeito a esses criminosos. Essas “mentes perturbadas”, “frias” e “assassinas” na realidade não foram nada mais que pessoas educadas de sua época, o que torna mais difícil para os profissionais que lidam com o tema entendê-lo e explicá-lo. Além disso, ressalta o fato da sociedade ter assistido ao holocausto sem grandes reações, pois mal conseguia acreditar que o assassinato em massa fosse real. “Para colocar as coisas claramente há razões para a gente se preocupar, porque sabemos agora que vivemos num tipo de sociedade que tornou possível o holocausto e que não teve nada que pudesse evitá-lo” (Bauman, p. 111).

A lembrança da existência anterior de genocídios na história da humanidade poderia negar a singularidade do holocausto, mas a modernidade, diferente do que se esperava, “não aparou suavemente as arestas sabidamente ásperas da coexistência humana e portanto não pôs um fim definitivo a desumanização do homem para com o homem” (Bauman, p.112). Ao contrário disso, a modernidade perpetuou o medo da possibilidade de novos genocídios. Voltando à sua singularidade, o holocausto ocorrido em meados de 1940 superou todos os seus equivalentes pré-modernos no quesito planejamento. Os episódios anteriores podem ser considerados completamente primitivos em face do enorme empreendimento que foi o holocausto praticado pelos nazistas.

A partir disso podemos avançar na tentativa de entender o assassinato em massa na escala do holocausto. Primeiramente houve o distanciamento do algoz e de sua vítima e a “substituição da raiva grupal pela obediência à autoridade (...); as ações não seriam dirigidas pela paixão, mas por rotinas de organização” (Bauman, p. 113). A burocracia via-se como substituta digna da raiva e da fúria, tão “ineficazes como instrumentos de extermínio em massa” (Bauman, p.113). O segundo aspecto que pode ser abordado para o estudo do genocídio moderno é a sua proposta. Exterminar o inimigo não é um “fim”, e sim um “meio” para atingir o objetivo final. “O fim em si mesmo é a visão grandiosa de uma sociedade melhor e radicalmente diferente” (Bauman, p. 114). Assim, as pessoas mortas simplesmente não se adequavam ao sistema de uma sociedade perfeita, sendo eliminadas de forma sistemática, mecânica. “O holocausto moderno é o único num duplo sentido. É único entre outros casos históricos de genocídio porque é moderno. E é único face a rotina da sociedade moderna porque traz à luz certos fatores ordinários da modernidade que normalmente são mantidos à parte” (Bauman, p. 118).

Bauman aborda também os efeitos da divisão hierárquica e funcional do trabalho, com a subordinação (linear graduação de poder) e a substituição da responsabilidade moral pela técnica, o que afasta ainda mais “os contribuintes para o resultado final da atividade coletiva”, ressaltando: “antes que os últimos elos da cadeia burocrática de poder (os executores diretos) enfrentem sua tarefa, a maioria das operações preparatórias que levaram a ela já foi executada por pessoas que não tinham experiência pessoas e às vezes nem o conhecimento da tarefa em questão” (Bauman, p. 122)

É importante, porém, analisar a proposta de Bauman de maneira cuidadosa, pois não podemos simplesmente justificar todo o ocorrido tendo em vista apenas a desumanização dos objetos burocráticos e sua redução a “um conjunto de medidas quantitativas” (Bauman, p.127), usando isso como explicação única da “relativa normalidade” aceita durante a época. A complexidade do holocausto moderno não pode ser simplificada a ponto de aceitarmos que a burocracia por si só o comandou, tendo em vista o papel marcante da ideologia nacional-socialista nesse contexto.

domingo, 4 de maio de 2008

Fichamento do texto 5 - "Contra o inimigo comum"

O capítulo “Contra o inimigo comum” do livro “Era dos Extremos” de Eric Hobsbawm não poderia ter um título mais esclarecedor. Através de uma análise conjuntural, o autor avalia a aliança entre países liberais e comunistas contra o fascismo alemão, o tal inimigo comum. É importante sublinhar que essa aliança está longe de ter acontecido por causa de um ideal, não passando de uma necessidade intrínseca baseada na natureza do inimigo.

A parte III deste capítulo nos mostra a posição que o autor vai tomar frente ao desenvolvimento de toda a questão do fascismo e da Segunda Guerra Mundial: A importância da Guerra Civil Espanhola. Coloca que, apesar de ser parte periférica da Europa, a Espanha tornou-se símbolo de uma luta global na década de 1930, visto que todas as partes do mundo “tomaram um lado” nessa guerra. A partir desse quadro o autor acredita que ocorre uma cisão do mundo.

“As disputas da década de 1930, travadas dentro dos Estados ou entre eles, eram, portanto, transnacionais. Em nenhuma parte foi isso mais evidente do que na Guerra Civil Espanhola de 1936-9, que se tornou a expressão exemplar desse confronto global” (Hobsbowm, 157).

É importante falar também da fracassada política de apaziguamento, pois, em parte, foi graças a ela que Hitler teve tanto espaço para expandir sua própria política. Esse apaziguamento ineficaz só foi abandonado quando países como a Grã-Bretanha e França pensaram a sério uma aliança com a URSS, “sem a qual a guerra não podia ser nem adiada nem vencida” (Hobsbawm, 156). O medo que esses países tinham de uma nova guerra, tendo em vista os traumas sofridos na Primeira Grande Guerra (bem como a neutralidade temporária soviética), acabou por ser suplantado pela necessidade de ação, visto que as potências não poderiam mais coexistir com o modelo nazista, com objetivos políticos irracionais e ilimitados. “Expansão e agressão faziam parte do sistema, e, a menos que se aceitasse de antemão a dominação alemã, ou seja, se preferisse não resistir ao avanço nazista, a guerra era inevitável, provavelmente mais cedo do que mais tarde”. (Hobsbawm, 155).

Finalmente vencida a guerra, a frágil aliança outrora formada pode ser rompida. Nesse momento, cada lado vai se virar para seus próprios interesses nacionais, e a antiga oposição “capitalismo liberal x comunismo” voltará à cena, agora de maneira muito mais radical, num contexto de Guerra Fria. Vale ressaltar que a Segunda Guerra mundial marcou profundamente e de maneira diversificada as sociedades do século XX, modificando-as e remodelando o que entendemos hoje por “ideologia”.

Bibliografia: Hobsbawm, Eric. Era dos Extremos.

sábado, 3 de maio de 2008

Fichamento do filme Homo Sapiens 1900

O filme desenvolve a temática da eugenia no contexto do regime nazista alemão. Por “eugenia” entende-se o estudo das causas e condições que podem melhorar a raça. Desenvolvida no século XIX, essa ciência foi uma das vias que os alemães seguiram para a pretendida construção de uma sociedade de perfeitos, onde qualquer defeito, físico ou mental, era motivo de análise, com o resultado quase sempre comum de descartamento do indivíduo defeituoso.
A eugenia em si não deveria denotar algo tão negativo, isso porque ela não passa de um estudo para encontrar as condições favoráveis à reprodução humana, promovendo um melhoramento da raça. A questão é puramente moral, visto que a eugenia foi utilizada como instrumento de limpeza racial pelo fascismo e até pelo stalinismo, embora de maneira diferente: enquanto na Alemanha a preocupação era com a perfeição física e a beleza do homem ariano, na URSS buscava-se o homem idealizado através do cérebro e do intelecto. Estudou-se o cérebro de Lênin e de Tolstoi, por exemplo, para a construção do homem socialista perfeito.
A partir desse primeiro contato com as definições, passamos para uma nova etapa: a divisão entre eugenia positiva e negativa. A chamada eugenia positiva consistia em fazer com que as raças puras procriassem, enquanto a negativa preocupava-se em fazer com que os pobres ou incapacitados de alguma forma, não o fizessem. Exemplo de eugenia positiva mostrado no filme são as casas criadas pelos nazistas para abrigar mulheres que dariam à luz os homens perfeitos do Reich. O problema é que essas casas acabaram indo de encontro ao conceito de família que o Estado alemão vinha criando. De qualquer forma, a partir disso, podemos fazer uma conexão com a eliminação dos bebês deficientes e a esterilização em massa dos indivíduos considerados inaptos, fatos que ocorreram com um grau assustador de normalidade. A manipulação biológica tornou-se uma arma apontada para a sociedade e disparada contra aqueles que não se encaixavam no padrão racial imposto pelo regime.
Essa “moda” que começou na Suécia com um instituto sério para o estudo da eugenia, virou concurso para a escolha da criança mais perfeita e foi importada pelos EUA, onde eram promovidas campanhas para as próprias mães eliminarem seus filhos recém-nascidos deficientes. É importante ressaltar que, nos EUA, a esterilização em massa era legalizada. O simplismo e o progresso fizeram com que a eugenia regredisse nos Estados Unidos, mas na Alemanha de 1943, 400 mil são esterilizados e o “extermínio em massa” está em alta, com o crescimento da eugenia negativa, visto que os valores burgueses não aceitavam de bom grado aquelas tais “casas”. Com esse aprofundamento do uso da eugenia pelo regime nazista, Stalin acaba por abandonar e proibir essa ciência em seu território.
Assim, Peter Cohen traça uma crítica com documentos e imagens chocantes dessa “ciência maluca” que foi aderida por muitos em uma época em que a busca da perfeição física e/ou mental era absolutamente necessária para as ideologias. Mais uma vez presenciamos na história da humanidade que o homem é o único ser predador de si mesmo, num contexto social onde os fins quase sempre justificam os meios.


Bibliografia: Cohen, Peter, Homo Sapiens 1900.
www.terra.com.br/cinema/drama/sapiens.htm
www.frif.com/new99/homosapi.html