sexta-feira, 30 de maio de 2008

Texto 6 – Modernidade e Holocausto

Bauman aborda o fenômeno do Holocausto em sua complexidade única, preocupando-se com sua especificidade, relacionando-o à modernidade, de forma a explicitar a singularidade do genocídio administrado pelos nazistas durante a Segunda Guerra.

Começa com uma má notícia: se os estudos tentam entender a mente “criminosa” dos genocidas, Bauman nos mostra a “normalidade” do Holocausto. A questão que ele levanta na primeira parte do texto diz respeito a esses criminosos. Essas “mentes perturbadas”, “frias” e “assassinas” na realidade não foram nada mais que pessoas educadas de sua época, o que torna mais difícil para os profissionais que lidam com o tema entendê-lo e explicá-lo. Além disso, ressalta o fato da sociedade ter assistido ao holocausto sem grandes reações, pois mal conseguia acreditar que o assassinato em massa fosse real. “Para colocar as coisas claramente há razões para a gente se preocupar, porque sabemos agora que vivemos num tipo de sociedade que tornou possível o holocausto e que não teve nada que pudesse evitá-lo” (Bauman, p. 111).

A lembrança da existência anterior de genocídios na história da humanidade poderia negar a singularidade do holocausto, mas a modernidade, diferente do que se esperava, “não aparou suavemente as arestas sabidamente ásperas da coexistência humana e portanto não pôs um fim definitivo a desumanização do homem para com o homem” (Bauman, p.112). Ao contrário disso, a modernidade perpetuou o medo da possibilidade de novos genocídios. Voltando à sua singularidade, o holocausto ocorrido em meados de 1940 superou todos os seus equivalentes pré-modernos no quesito planejamento. Os episódios anteriores podem ser considerados completamente primitivos em face do enorme empreendimento que foi o holocausto praticado pelos nazistas.

A partir disso podemos avançar na tentativa de entender o assassinato em massa na escala do holocausto. Primeiramente houve o distanciamento do algoz e de sua vítima e a “substituição da raiva grupal pela obediência à autoridade (...); as ações não seriam dirigidas pela paixão, mas por rotinas de organização” (Bauman, p. 113). A burocracia via-se como substituta digna da raiva e da fúria, tão “ineficazes como instrumentos de extermínio em massa” (Bauman, p.113). O segundo aspecto que pode ser abordado para o estudo do genocídio moderno é a sua proposta. Exterminar o inimigo não é um “fim”, e sim um “meio” para atingir o objetivo final. “O fim em si mesmo é a visão grandiosa de uma sociedade melhor e radicalmente diferente” (Bauman, p. 114). Assim, as pessoas mortas simplesmente não se adequavam ao sistema de uma sociedade perfeita, sendo eliminadas de forma sistemática, mecânica. “O holocausto moderno é o único num duplo sentido. É único entre outros casos históricos de genocídio porque é moderno. E é único face a rotina da sociedade moderna porque traz à luz certos fatores ordinários da modernidade que normalmente são mantidos à parte” (Bauman, p. 118).

Bauman aborda também os efeitos da divisão hierárquica e funcional do trabalho, com a subordinação (linear graduação de poder) e a substituição da responsabilidade moral pela técnica, o que afasta ainda mais “os contribuintes para o resultado final da atividade coletiva”, ressaltando: “antes que os últimos elos da cadeia burocrática de poder (os executores diretos) enfrentem sua tarefa, a maioria das operações preparatórias que levaram a ela já foi executada por pessoas que não tinham experiência pessoas e às vezes nem o conhecimento da tarefa em questão” (Bauman, p. 122)

É importante, porém, analisar a proposta de Bauman de maneira cuidadosa, pois não podemos simplesmente justificar todo o ocorrido tendo em vista apenas a desumanização dos objetos burocráticos e sua redução a “um conjunto de medidas quantitativas” (Bauman, p.127), usando isso como explicação única da “relativa normalidade” aceita durante a época. A complexidade do holocausto moderno não pode ser simplificada a ponto de aceitarmos que a burocracia por si só o comandou, tendo em vista o papel marcante da ideologia nacional-socialista nesse contexto.

Nenhum comentário: