sábado, 21 de junho de 2008

Texto 11 - Luis Milman.

O texto de Luis Milman se desenrola tendo como base o histórico do pensamento revisionista. Ele coloca que desde os anos 80 a preocupação entre intelectuais e ativistas dos direitos humanos vem aumentando de acordo com a necessidade crescente de elucidação de toda a questão do holocausto e a refutação às afirmações negacionistas.

Para Milman, discutir o negacionismo é discutir o anti-semitismo, pois através de algumas análises desse fenômeno vemos a direção que ele pretende seguir. A divisão inicial do texto em constatações preliminares facilita a visualização dessa idéia colocada.

A primeira constatação é que o negacionismo não é uma interpretação alternativa da história através de uma perspectiva historiográfica, sendo uma construção fictícia. Isso nos obriga a lembrar que memória e história não são a mesma coisa, pois a primeira é completamente volátil, enquanto a segunda tem caráter científico bem definido. Os negacionistas usam de muitas explicações simplistas para negar o holocausto e dicriminalizar, assim, o regime nazista. A questão é que não há a possibilidade de se travar uma disputa quanto a existência ou não do extermínio em massa e a forma como foi planejado e executado, pois existem muitas provas, documentação suficiente e testemunhos para sabermos o que ocorreu. Esta seria uma segunda constatação.

A terceira está baseada na tentativa de minimizar os crimes nazistas do decorrer da guerra comparando-os aos crimes cometidos pelos aliados, tanto na guerra quanto em outras épocas. O negacionismo é uma deformação histórica que usa de uma “demagogia pseudocientífica” para conseguir adeptos a sua ideologia. O holocausto colocado como crime de guerra e os judeus sendo comparados a outros inimigos em alusão, como os argelinos para os franceses durante as décadas de 50 e 60, ou o Vietnã para os EUA, são um exemplo dessa demagogia comparativa de caráter falacioso que pode acabar por convencer. É uma racionalização sobre as circunstâncias d guerra que não é justificável, mesmo em meio a outros crimes contra a humanidade.

“Os negacionistas apresentam-se como pesquisadores dedicados a questionar a ‘história oficial’”, mas quando vistos de perto são anti-semitas preocupados em habilitar o fascismo e o neofascismo. O negacionismo também é apropriado como “forma de denunciar um alegado artificialismo de Israel (...). Desse modo, o negacionismo passa a servir de justificativa para a rejeição de qualquer forma de compromisso com a existência política de Israel, rejeição a qual apegam-se setores árabes e muçulmanos ideologicamente intransigentes” (Milman, pg. 3).

Milman trata também de Rassimir e Faurisson, “personagens em torno dos quais a escola negacionista construiu suas bases atuais” (Milman, pg. 4). Estes personagens, como muitos outros, ganham cada vez mais uma cara neofascista, a medida que a extrema direita radical e anti-semita se agrupa em torno deles. Apesar disso, uma esquerda radicalmente anti-sionista acolheu Farisson, o que criou uma disputa em torno do negacionismo na França, causando uma grande confusão na natureza do movimento.

É clara a visualização de quem compõe o negacionismo hoje em dia: anti-semitas, saudosistas de Vichy e neonazistas, que, na maioria das vezes, possuem discursos repetidos, por vezes absurdos e sempre parciais. Vale ressaltar que a “história oficial” não pode ser visualizada apenas como a versão dos vencedores, e sim como preocupada em estabelecer o que ocorreu ou não de maneira científica, para que crimes contra a humanidade sejam impedidos no futuro.

Bibliografia: Milman, Luis. Negacionismo: Gênese e desenvolvimento do extermínio conceitual.

sexta-feira, 20 de junho de 2008

Texto 10 – Krause-Vilmar

A negação dos assassinatos em massa cometidos pelos nacional-socialistas durante a Segunda Guerra ficou conhecida como revisionismo. Os revisionistas vêm ganhando espaço, visto que a atual geração encontra-se bem distante do que ocorreu nas décadas de 30 e 40. Os jovens do século XXI podem tender à descrença quanto aos relatos-denúncia do holocausto por estes fazerem parte de um passado embaçado e cruel demais para seu entendimento. É por isso que é tão importante trazer o tema para a atualidade, informando os estudantes e a população em geral. O professor Vilmar cita uma colocação da historiadora norte-americana Deborah Lipstadt que acho válida destacar: “Necessitamos nos ocupar da questão porque as forças da Razão são vulneráveis e porque a sociedade é suscetível a idéias aberrantes” (Krause-Vilmar, p. 1). Ora, nossa sociedade se torna cada vez mais alienada e, por isso, vulnerável a idéias que, à primeira vista, parecem contundentes, mas não são. Precisamos mudar isso através da informação séria, com metodologia e cientificidade histórica.

Quanto a isso, precisamos entender porque o revisionismo não pode ser considerado científico, ou mesmo imparcial em sua análise da História. Seus adeptos se colocam com a pretensão de revisar a História, usando para isso uma falsa cientificidade não visualizada por receptores leigos. Os revisionistas são normalmente anti-semitas interessados em vilanizar os judeus e os aliados em detrimento da demonização que foi feita da Alemanha. Para isso relativizam as declarações de testemunhas da época, dizendo que elas “exageravam nos relatos de suas vivências” (Krause-Vilmar, p. 1), negam o número de pessoas assassinadas, as técnicas do extermínio em massa, a existência das câmaras de gás e até o fato de que se os crimes foram realmente cometidos, não foram ordenados pelas lideranças nazistas. Eles usam de diversas descontextualizações de relatos, fatos e documentos, afirmando que os judeus é que formavam um complô internacional e que a guerra foi imposta aos alemães. Chamam de “mentirosos” os ex-presos dos campos de concentração e extermínio e manipulam informações tendo em vista seu interesse revisionista. “Um dos negadores do holocausto, Stãglich, desacredita as testemunhas oculares dos assassinatos ocorridos nas câmaras de gás com as seguintes palavras: “Na medida em que as testemunhas dos assassinatos nas câmaras de gás são judeus, elas nos ficam devendo uma explicação convincente para a pergunta da razão de justamente elas terem sido poupadas dessas ações de extermínio” (Krause-Vilmar, p. 6). Vemos aqui o quão apelativo pode ser o discurso revisionista.

Sabemos bem que os crimes ocorreram dos dois lados (eixo e aliados), mas não é pela negação dos crimes nazistas que podemos acusar os aliados. Negar o holocausto é ferir a memória dos milhões de mortos e sobreviventes dos horrores dos campos de concentração. Vemos cada vez mais a insuficiência de informações científicas sobre o tema influenciar negativamente o censo-comum, impregnado pela cultura pop de revistas que mistificam demais o nazismo e adquirem caráter de divulgação reducionista de toda a questão.

É certo que não é qualquer argumento revisionista que é de fácil refutação, pois ainda existem muitos mistérios em torno do holocausto, mas no geral podemos sim demonstrar que os revisionistas são falaciosos, parciais e anti-semitas, além de muitas vezes, neonazistas; primeiro pelo método que aplicam para justificar suas crenças, apoiando-se em manipulações interesseiras dos fatos; segundo pela quantidade de provas irrefutáveis que comprovam a prática do assassinato em massa, como os diários de diversos oficiais. O mais importante em meio a essa questão é atrair a atenção do público para o que é real e o que foi manipulado, selando, assim, o compromisso que a história tem de divulgar criticamente o passado.

Bibliografia: Krause-Vilmar, Dietfrid. “A negação dos assassinatos em massa do nacional socialismo: desafios para a ciência e para a educação política”.

terça-feira, 10 de junho de 2008

Resenha do livro “O Diário de Anne Frank”.

"Uma voz fala pelos seis milhões de judeus mortos; a voz não é de um sábio, nem de um poeta, mas de uma jovem como tantas e tantas outras".

Ilya Ehrenburg, jornalista e escritor soviético.

O “Diário de Anne Frank” que temos a nossa disposição em livrarias de todo o mundo é um relato emocionante da história de uma família judia que residia na Holanda quanto esta foi ocupada pelos nazistas, em maio de 1940. Os Frank, junto com outra família, os Van Daan e o Doutor Dussel, todos judeus, ficaram escondidos entre 1942 e 1944 no chamado “Anexo Secreto”, no antigo edifício em que o pai de Anne, Otto Frank, trabalhava, tendo em vista a perseguição dos nazistas aos judeus. Sendo considerado um dos maiores símbolos literários do holocausto, o diário está no Instituto Holandês para Documentação da Guerra (NIOD).

A veracidade do diário de Anne foi e ainda é muito contestada, principalmente por grupos neonazistas e anti-semitas. As afirmações de falsificação são mais uma tentativa neonazista de negar a existência do holocausto. Com o objetivo de comprovar de uma vez por todas a veracidade das páginas de Anne, o Instituto publicou em 1986 a chamada “edição crítica”, baseando-se em análises científicas que refutassem as alegações de falsificação. Essa edição comparava as três versões então existentes do diário: A – a original, conjunto de cadernos e folhas que Anne usou para escrever durante todo o período de residência no Anexo; B – uma outra versão, feita pela própria Anne, que começara a revisar seus escritos quando do apelo radiofônico para a preservação de diários, cartas ou qualquer documento da época da guerra, em 1944 (Anne tinha a intenção de publicar um livro ao fim da guerra, sob o nome de “O Anexo Secreto”); e C – versão modificada pelo pai de Anne, que recebera os cadernos de Miep Gies (uma das “ajudantes externas” do pessoal do Anexo) após ser liberado do campo de concentração em que estava e descobrir que suas duas filhas haviam morrido no campo de Bergen-Belsen. Miep recolhera e guardara os cadernos depois da invasão da Gestapo ao esconderijo com o objetivo de devolvê-los a Anne. Esta terceira versão foi dada à publicação por Otto em 1947, suprimindo passagens em que a menina tratava de sua sexualidade, fazia duras críticas à mãe e questionava o relacionamento dos pais. A partir da publicação, muitas traduções foram sendo feitas, peças de teatro escritas e filmes produzidos. Em 1995 foi publicado o que ficou conhecido como a “edição definitiva”, incluindo 30% do material que Otto Frank censurara na primeira versão publicada, a C. Recentemente novos trechos que não constam na publicação de 95, que fora comemorativa ao 50º aniversário de morte de Anne, foram revisados, mas uma nova publicação ainda não foi feita.

Anne começou a escrever seu diário em 12 de junho de 1942, ao ganhá-lo de presente pelo seu aniversário. A frase que o abre, “Espero poder confiar inteiramente em você, como jamais confiei em alguém até hoje, e espero que você venha a ser um grande apoio e um grande conforto para mim”, soa quase como um presságio do que está por vir. As provações que Anne teria que passar parecem implícitas em sua fala, embora ela não soubesse qual seria seu trágico destino, assim como o de outros milhões de judeus europeus.

A família Frank emigrou da Alemanha em 1933, quando Hitler subiu ao poder, para Amsterdã, onde encontrou relativa paz até 1942. As proibições aos judeus, que se iniciaram com a guerra e a ocupação nazista, eram inúmeras: todos deveriam usar uma estrela amarela bem visível, não podiam andar de bicicleta ou bonde, não podiam dirigir automóveis, tinham um horário fixo para fazer compras em lojas específicas, obedeciam a um toque de recolher, não podiam freqüentar teatros, cinemas ou praticar esportes publicamente e eram obrigados a freqüentar apenas escolas judias. Mesmo com todas as proibições, Anne descreve a situação como “suportável”, substituindo tudo isso por uma paixão por livros. No início de julho seu pai já fala na necessidade deles se esconderem e tudo vai sendo preparado para isso. Ao chegar à casa deles uma convocação, supostamente para Otto Frank, mas que na realidade era para a irmã de Anne, Margot, a menina mostra o primeiro sinal de medo; pensa em campos de concentração e prisões, mas tenta não se deixa abater. Isso porque o eufemismo da convocação, “força de trabalho” já era bem conhecido por todos, significando quase sempre “campo de concentração”. A família começa a fazer as malas tendo em vista o iminente perigo que correm, e no dia seguinte partem para seu esconderijo, já tendo feito a mudança de vários de seus bens durante os meses anteriores. O Anexo Secreto ficava no segundo andar do prédio em que Otto trabalhava, com uma estante móvel disfarçando sua entrada. Alguns dos colegas de trabalho de Otto sabiam e ajudaram na mudança: o Sr. Kraler, Koophuis, Miep e Elli Vossen. Estes personagens foram de grande importância para os moradores do Anexo, pois, além de manterem seu segredo, os ajudaram de todas as formas possíveis, com suprimentos, notícias, amizade.

O diário é de interpretação complexa, primeiro devido a idade de Anne, segundo pelo fato de ser um diário pessoal, e terceiro graças a todo o clima de tensão do esconderijo. Por ser muito jovem, Anne talvez não conseguisse entender muitas atitudes dos adultos, acabando por interpretá-las de uma maneira toda própria, por vezes estranha e maniqueísta demais. Por outro lado, a menina parece ter um nível de discernimento incrível e olhos bem abertos para os problemas internos e externos da casa. A maneira como critica a todos, descrevendo sua personalidade, seus defeitos, seus medos e suas qualidades, é acompanhada da relação adulto-jovem dentro do Anexo, onde os adultos acham os jovens tolos e os jovens se enervam com eles por causa disso. Ressalto também o fato de Anne mostrar o quão esclarecidos e até mesmo politizados eram os jovens da década de 1940 comparado aos atuais, mostrando que, independente da idade, eles não eram alienados em relação aos problemas do mundo. Anne lia muito e sempre se preocupou com sua formação, queria ser culta, inteligente, para conseguir alcançar o sonho de ser escritora e jornalista.

O segundo fator de complicação, o fato de ser um diário pessoal, nos faz pensar no foco que Anne dava aos fatos. É certo que de início ela pretendia apenas usá-lo como confidente, tratando-o pelo nome de Kitty (como se o diário fosse uma amiga), mas depois de revisá-lo fervorosamente em 1944 ela já pretendia lançá-lo no futuro, para que o mundo conhecesse o sofrimento judeu durante a guerra através de sua história. Ela parecia sempre querer ressaltar sua maturidade, e para isso criticava muito a mãe, a irmã e a Senhora Van Daan. Não é possível afirmar nada, visto que só sabemos quem era Anne através de suas próprias palavras.

A tensão existente na casa é um fator um pouco mais fácil de compreender. Os residentes não podiam fazer barulho durante o dia, pois o escritório no andar de baixo funcionava normalmente; alimentavam-se basicamente de conservas, sopas e durante muitos períodos passavam fome; viviam isolados, tendo que conviver todos os dias com os defeitos de todos os moradores, compartilhando um banheiro, dormindo desconfortavelmente, vendo o mundo através de uma janela apenas durante a noite, pois os vizinhos não podiam suspeitar de que ali vivessem judeus. A tensão física e psicológica pela qual essas pessoas passaram e o medo que sentiam de ser descobertos a cada dia é comovente no relato de Anne. Eles apenas ouviam as bombas da guerra explodindo do lado de fora, por vezes escutavam notícias pelo rádio ou recebiam a visita dos amigos, que sempre traziam notícias, mas a esperança de que tudo fosse terminar bem era forçada ao pensamento. Apesar de momentos de puro pessimismo, os moradores tentavam ao máximo não se deixar abater pelo clima de chumbo.

Para Anne tudo se torna mais fácil quando ela descobre um sentimento pelo filho do casal Van Daan, Peter. Além da companhia de seu diário, ela agora tinha a de Peter, pois todos os outros moradores do Anexo não lhe agradavam por algum motivo, exceto talvez seu pai. O livro todo nos leva a uma análise psicológica de cada personagem, da relação entre eles e da própria situação em si. É difícil imaginar-se passando por isso, no entanto, muitos passaram durante a guerra e, como os moradores do Anexo Secreto, acabaram por ser descobertos e presos. Anne Frank simboliza de maneira bela e triste esse sofrimento, questionando-se sempre sobre a sanidade dos homens que fazem inocentes de bode-expiatório para os problemas vigentes.

A última página do diário é do dia primeiro de agosto de 1944. Sabe-se que à 4 de agosto a Polícia de Segurança alemã entrou no escritório e obrigou Kraler a revelar a entrada para o esconderijo. Os oito moradores foram presos, e após passarem um tempo no campo de Westerbork, foram mandados para Auschwitz. O Anexo foi saqueado, tendo os policiais levado quase tudo de valor que havia por lá, mas não se importando muito com as páginas de Anne. Margot, sua irmã, e a própria Anne foram mandadas para o campo de Bergen-Belsen, na Alemanha, onde morreram de tifo em março de 1945, pouco antes da liberação do campo pelos ingleses. O único que se salvou foi mesmo Otto Frank té hoje não se sabe de quem foi a denúncia que levou os moradores do esconderijo a destinos terríveis, sendo contada a história de uma voz feminina ao telefone, e a possibilidade de ter sido um amigo de Otto, Tonny Ahlers.

Hoje existe uma biografia de Anne Frank, escrita por Melissa Müller, além de várias fundações em sua homenagem em diversos países. O próprio Anexo Secreto, em Amsterdã, virou um museu, apesar da mobília original da época ser muito pouca, sendo a maioria reconstituição. A adolescente escritora é mundialmente conhecida, sendo uma das maiores personalidades representativas do holocausto. São relatos como o de Anne que nos permitem um estudo profundo com tom de denúncia sobre os crimes praticados contra diversos grupos considerados inferiores pelos nazistas (doentes físicos e mentais, gays, testemunhas de Jeová, judeus, etc), que os subjugaram até a resolução da “Solução Final” para o problema dos judeus: a morte nas câmaras de gás, que só terminou com o fim da guerra. O número de mortos é proporcional a sistematização da maldade dos envolvidos no que ficou conhecido como um dos piores genocídios da história.

Bibliografia: “O Diário de Anne Frank”

Revista Veja de 21/10/1998

www.annefrank.org

www.morasha.com.br

domingo, 1 de junho de 2008

Resenha sobre o filme “Arquitetura da Destruição”, de Peter Cohen

O documentário do sueco Peter Cohen traça a trajetória do nazismo em paralelo com os conceitos de arte de seu líder, Adolf Hitler. Ao assistir o filme, é fácil perceber a megalomania de Hitler a partir de seu ideal artístico, baseado na pura estética inspiradora do homem do III Reich. A concepção de beleza entrelaça-se com a do homem saudável e limpo, enquanto a feiúra é digna apenas de aniquilação. Nos esboços de construções grandiosas estava presente o ideal nazista de embelezamento do mundo, inspirado na arquitetura da antiguidade clássica, uma das fixações de Hitler. O novo homem alemão seria o mais belo e o mais saudável, enquanto Berlim, o centro do mundo, seria a capital com a mais bela e grandiosa arquitetura de todos os tempos.

Todas as formas de arte foram usadas como propaganda do estilo de vida alemão que se pretendia criar, mas o cinema merece especial destaque, principalmente no que concerne à necessidade de limpeza da pátria e à “solução final”. O filme “Vítimas do Passado”, de 1937 é um dos muitos sobre essa necessidade de limpar a Alemanha dos doentes físicos e mentais, que, se mantidos como cidadãos, só ajudariam a alimentar um processo que levaria a raça ariana a sucumbir. Além dos filmes propagandistas, a arte moderna foi usada como vitrine de todas as deformações e distorções dos valores de beleza humana, sendo organizadas exposições desta “arte degenerada”, reunindo obras de vanguarda, adquiridas ainda nos anos 20 e vistas agora como “degeneração cultural” e “presságio do destino”, caso atitudes drásticas não fossem tomadas. Associadas à arte bolchevique e judaica, a arte moderna servia como exemplo do que deveria ser combatido: as compleições deformadas, os comunistas e os judeus. Em contrapartida, a exaltação de corpos perfeitos, associados sempre à boa saúde, era feita pelas esculturas de inspiração grega.

Com essa idéia em mente, até o início da guerra, Hitler se preocupou em formular o conceito de arte de acordo com o seu próprio e em expor a “nova e genuína arte alemã”. Dedicou-se a trabalhos arquitetônicos de construção monumental, como a Chancelaria e o Palácio do Fürher e sedimentou através do “Bureau da beleza do trabalho” o local de trabalho como limpo e funcional, ressaltando a limpeza do ambiente e das pessoas (para ele, o despertar estético seria o princípio do fim das lutas de classe, visto que um povo bonito e saudável não lutaria entre si, e sim por um objetivo comum).

Com a invasão da Polônia e o início da guerra se deu o princípio do programa da eutanásia. A análise de pacientes era feita em cima de uma ficha onde constavam raça, religião e saúde física e mental. Os médicos, todos pertencentes ao partido nazista, eram os juízes que decidiam quem seria levado para as novas câmaras de monóxido de carbono, normalmente aqueles considerados inúteis até para trabalhar. Foram ministrados cursos especiais de medicina nazista, pois o objetivo médico agora não era cuidar de um paciente, e sim analisar quem poderia ou não sobreviver em meio a essa reorganização da pátria. Tudo pelo bem maior: a beleza e saúde da Nova Alemanha. A estética perfeita poderia ser conquistada através da violência, pois se era preciso destruir para, posteriormente, reconstruir, isso deveria ser feito.

Toda a Europa era cenário de uma remodelagem arquitetônica e artística. A arte da guerra pintava não só seus horrores, mas também suas glórias A invasão da Bélgica, da Holanda e da França trouxe novas apropriações de obras de arte para a Alemanha. Paris era modelo para se reprojetar Berlim, tarefa do arquiteto Albert Speer. A nova capital mundial teria um Arco do Triunfo duas vezes maior, um Centro Cultural gigantesco, uma arquitetura inigualável. Esse projeto andava de mãos dadas com todas as ideologias de grandeza do nazismo. Tudo deveria ser muito grandioso, do homem às construções. Em meio a tudo isso, assistimos ao assassínio em massa em câmaras e fornos projetados longe dos centros urbanos e dos olhos da raça pura. A construção desse mundo perfeito custou à humanidade milhões de vidas e o eterno medo da capacidade do homem de destruição. Mesmo quando o objetivo inicial é a construção.


Bibliografia: “Arquitetura da Destruição”, de Peter Cohen.
www.historianet.com.br

sexta-feira, 30 de maio de 2008

Texto 9 – Sol Negro, Cultos arianos, nazismo esotérico e políticas de identidade.

Políticas de Identidade

Neste capítulo, Goodrick-Clarke trabalha a questão do surgimento de grupos neonazistas em meio às políticas de privilégio de raças não-brancas (negros e hispânicos, principalmente) particularmente nos EUA. À medida que essas minorias ganhavam direitos, grupos neonazistas sugeriam que o domínio racial branco estava ameaçado em terras de ancestrais originalmente brancos (anglo-saxões). Claro que esse crescente racismo vem acompanhado por uma forte oposição da opinião liberal, mas a conjuntura da década de 1960 em diante engloba diversos fatores que reintroduziram a questão da raça nos Estados Unidos e na Europa Ocidental.

Os efeitos discriminatórios de políticas para negros nos EUA passam por cima da tradição anglo-americana de direitos individuais, desagradando os brancos. Os privilégios que o governo cria acabam por fomentar uma extrema direita racista. A questão é que quanto mais políticas de quotas, ou o número de ocorrências de crimes de negros contra brancos são usados como justificativa para se criar privilégios visando a inclusão social (que acabam por ser desiguais), mais cresce a extrema direita racista. “A preocupação com a responsabilidade dos brancos no fracasso das relações raciais também ignora a alta incidência de crimes e violência interétnicos. Essa desqualificação da crítica dos brancos por meio de acusações de racismo individual e ‘institucional’, somada à atitude de compensação em relação à identidade negra, tem sido um fator no estímulo esotérico da extrema direita racista” (Goodrick-Clarke, p. 398).

O neonazismo de caráter esotérico usa mitologias para negar a queda do “poder branco”, como se passássemos por uma era de degeneração que é comandada pela influência judaica no mundo, e que será superada com ao ressurgimento da Alemanha nazista. Essa concepção, propagada por Wilhelm Landing, é acompanhada por uma invocação de “mitologias quase völkisch de destino e identidade brancos” (Goodrick-Clarke, p. 399). Novos grupos que surgem tendem para uma ideologia defensiva, proporcionando a ascensão de um novo nacionalismo, ritmado com questões atuais da globalização, como a imigração e a derrubada de barreiras nacionais (exemplifica: Identidade Cristã, Igreja do Criador e pagãos raciais nórdicos). Tendo isso em vista, o autor afirma que os EUA possuem um solo fértil para o neonazismo, pois é “onde os desafios do multiculturalismo e da imigração vinda do Terceiro Mundo têm sido maiores” (Goodrick-Clarke, p.399). A imigração hispânica para os EUA é adubo para o crescente racismo no país. Faz-se necessário, visto que não se pode mais controlar a movimentação internacional (a imigração ilegal só nos EUA, por ano, é de 2 a 3 milhões de pessoas) implantar “políticas de bilingüismo e multiculturalismo no sistema educacional” (Goodrick-Clarke, p. 400). Esta conversão dos EUA e, em menos escala, da Europa, em “nações universais” exige análises profundas para que possamos manter os direitos humanos intactos e direcionar a educação da população para uma tolerância mundial: de raça, nacionalidade ou o que quer que seja.


Bibliografia: Goodrick-Clarke, Nicholas. Sol Negro, Cultos arianos, nazismo esotérico e políticas de identidade.

Texto 8 – Paulo Fagundes Vizentini

O ressurgimento da extrema direita e do neonazismo:
A dimensão histórica e internacional

Vizentini trata de uma questão recorrente à história: os fenômenos associados do neonazismo, da extrema direita e do extremismo político. No mundo em que vivemos é perceptível o quão tênue é a linha que os separa; não são fenômenos idênticos, mas podem ser associados de tal forma que nos trazem à tona questões do século passado. A análise do autor é dividida em duas partes comparativas: a primeira trata do nascimento, expansão, derrota e hibernação do processo fascista; a segunda, do ressurgimento e do novo “caldo cultural” dos anos 80 e 90.

Analisando a conjuntura em que o nazifascismo nasceu, Vizentini traça uma linha de causas: a questão da crise do liberalismo, o triunfo da Revolução Bolchevique, o fim da Primeira Guerra Mundial. Afirma: “A crise que se produziu a partir da Primeira Guerra Mundial, criou um espaço e gerou o ‘caldo de cultura’ necessário para o desenvolvimento rápido desses movimentos” (p. 2). Após situar no tempo o início da questão fascista, ele faz uma comparação dos movimentos da década de 1920 e 1930 com os novos movimentos que surgiram na década de 70, 80 e 90, citando um artigo do jornal Lê Monde Diplomatique. Relembra o quanto esses movimentos foram, de início, bem aceitos, vistos como um “mal menor” diante da ameaça vermelha que se fazia cada vez mais presente durante as primeiras décadas do século XX. Essa aceitação pôde ser visualizada a partir das “ligações e conexões internacionais que permitiram a afirmação do nazifascismo” (p. 2), e durou até as grandes nações perceberem que este “mal menor” adquiria gradativamente muito espaço e apoio das massas, tornando-se uma ameaça real.

Com o fascismo enfim derrotado e o fim da Segunda Guerra Mundial, tudo parecia voltar vagarosamente aos eixos, porém, a manutenção de regimes de perfil fascista na Europa, como Portugal de Salazar e a Espanha de Franco, se tornaria o primeiro fator que possibilitaria o ressurgimento posterior do fascismo. Estes regimes continuaram negociando com as potências vencedoras e se mantiveram no poder até a década de 1970.

Com o fim da Guerra veio a divisão geopolítica do mundo entre EUA e URSS. Ela não respeitou as particularidades dos países, acoplando tanto aos Estados Unidos quanto à União Soviética, países que não correspondiam exatamente à sua escolha econômica. Alguns de esquerda muito forte viram-se do lado ocidental e outros de esquerda fraca, do lado oriental. Assim, esses países ocidentais de esquerda forte precisavam de novos partidos de direita e centro-direita para a estabilização da vida política. “Obviamente que as direções desses partidos, os seus dirigentes, eram pessoas que vinham da oposição ao fascismo, algumas das quais haviam sido perseguidas (...)” (Vizentini, p. 3). O que não quis dizer muita coisa.

Com a necessidade de reconstrução desses países nos primeiros anos do pós-guerra veio o Plano Marshall e, com ele, uma nova tendência para julgamentos dos criminosos de guerra. Muitos foram inocentados nesse período, tendo em vista o clima internacional deteriorado e a Guerra Fria. No fim, àqueles que apoiaram financeiramente o fascismo acabaram escapando. Aqui temos o segundo fator que contribuiu para a breve hibernação do fascismo, que pode ser atrelado ao terceiro. Este último coloca as personalidades fascistas, que agora eram úteis de alguma forma para a Guerra Fria, como Klaus Barbie, um homem especializado no combate a organizações de esquerda e Wemer Von Braun, importante para o projeto espacial norte-americano, como pontos-chave. Muitas destas pessoas acabaram também prestando serviços em países do Terceiro Mundo, colaborando com regimes brutais, ou se engajando em guerras coloniais. A impunidade andava de mãos dadas com os interesses políticos e econômicos.

Enquanto antigas personalidades ganhavam espaço, a extrema direita de inspiração fascista ia se reorganizando por trás de uma máscara anticomunista. Esta camuflagem foi muito útil para a manutenção dessa direita na vida política de antigos países fascistas, apesar da “desnazificação” conduzida pelos novos governos, com “políticas educacionais específicas dirigidas aos estudantes e toda a geração que se seguiu à Guerra (...), ocorrendo progressivamente uma despolitização dessas populações” (Vizentini, p. 5). O “espírito antifascista”, muito presente no pós-guerra, durou até surgirem novas gerações, que não viveram a Guerra ou eram muito jovens e possuíam apenas lembranças remotas do que acontecera. Assim, mesmo que as novas organizações de direita continuassem mais como movimentos periféricos do que outra coisa, novas conjunturas abririam espaço para ela, tendo em vista a crescente falência do comunismo como opção as crises. A crise do petróleo e o desemprego na Europa, que ia se tornando estrutural, serviram de base para novas manifestações.

A Europa, que vinha se solidarizando com países do Terceiro Mundo (estes ainda passavam por revoluções ultranacionalistas ou socialistas, além de guerras, como a do Vietnã), muda o seu enfoque. Com as imigrações, que agora não tinham origem no leste ou no sul europeu, mas sim em ex-colônias ou em países periféricos em geral, os europeus passam a olhar os imigrantes (antes bem-vindos para realizar trabalhos que eles próprios não ocupavam) com outros olhos. A xenofobia entra em cena. Com ela surge o movimento dos hooligans e dos skinheads, juntamente com a retomada o culto ao militarismo, à força, à violência.

O misticismo e a religião fundamentalista vieram somar-se a esse quadro. A pós-modernidade vem para negar paradigmas anteriores: “o pensamento de que o mundo é inexplicável, contraditório” (Vizentini, p. 8) juntou-se a sensação de abandono que o fim do Estado de bem-estar social causou. A exclusão é o novo mote da esquerda e o discurso neonazista e racista ganha espaço em meio a esse colapso do Estado nacional. As novas necessidades das populações, não sendo supridas, transformam-se em movimentos radicais e terroristas. Em meio a isso tudo, vemo-nos obrigados a repensar o convívio humano de maneira a evitar novos desastres aparentemente escatológicos.

Bibliografia: Vizentini, Paulo Fagundes. O ressurgimento da extrema direita e do neonazismo: A dimensão histórica e internacional.

Texto 7 – O Fascismo ainda é possível? Robert O. Paxton.

Preocupando-se em estabelecer um entendimento correto do fascismo, Paxton visa delimitar o início e o fim deste fenômeno. Enquanto parece fácil identificar o começo do desenvolvimento pleno do fascismo (depois da Primeira Grande Guerra e da Revolução Bolchevique), seu limite posterior é de visualização mais complexa. É a partir dessa questão que o autor lança a pergunta: “O fascismo ainda é possível?”

A maior dificuldade para respondê-la é, situando o fenômeno em sua época, trazê-lo para os dias de hoje em essência, a partir de certas características generalizantes. Tendo surgido numa conjuntura de crise dos regimes democráticos (estes incapazes de lidar com as conseqüências da Primeira Guerra e com a disseminação da Revolução Bolchevique), não existiria com facilidade após o término da Segunda Guerra, graças à repugnância que o fascismo causava no pós-1945. As imagens dos campos de concentração divulgadas inspiravam apenas náuseas e repúdio àquele “sistema”. Além disso, a “crescente prosperidade e a globalização da economia mundial”, juntamente com “o triunfo do consumismo individual”, o “declínio da disponibilidade da guerra como instrumento de política nacional para os grandes países da era nuclear” e “a redução da credibilidade da ameaça revolucionária” (Paxton, p. 284), edificaram-se num grande obstáculo para o renascimento do fascismo. Apesar de todos esses fatores, a pergunta do autor é válida e preocupante.

Tudo depende, como foi dito, do que entendemos por “fascismo”, pois racismo e nacionalismo violentos não seriam seus pilares únicos de sustentação.”De qualquer forma, um fascismo de futuro - uma reação de emergência a alguma crise ainda não imaginada - não teria que ter semelhança perfeita com o fascismo clássico, em termos de seus signos e símbolos externos” (Paxton, p. 287). Um novo tipo surgiria, então, com as preocupações nacionais de nossa própria época. Seria mais um “equivalente funcional” do que uma capa do fascismo clássico. Provavelmente vestiria “os trajes típicos e patrióticos de seus países de origem” ao invés das “suásticas e fascios estrangeiros” (Paxton, p. 287).

Apesar da falta de credibilidade do fascismo no fim dos anos 40, movimentos e partidos de direita radical surgiam ou reviviam com uma máscara de aparência moderada nas décadas seguintes. Na Alemanha e na Itália o “neofascismo saudosista” conseguiu um pequeno espaço, mas sem alcançar o establishment nacional. França e Grã-Bretanha também apresentaram direitas radicais significativas, tendo em vista a perda de colônias e as conseqüências da guerra. No decorrer dos anos, novas conjunturas abriam espaço para essa extrema direita: “mudanças fundamentais nas esferas social, econômica e cultural estavam em curso, exacerbadas pela crise do petróleo e pela contração econômica que teve início em 1973” (Paxton, p. 294). O desemprego estrutural agora era uma realidade européia e os imigrantes, antes aceitos de braços abertos para ocupar tarefas que os europeus não se interessavam (o “trabalho sujo”), passaram a ser vistos com maus olhos. “Alguns dos órfãos da nossa economia, que, em épocas anteriores, teriam recorrido ao comunismo, voltaram-se agora para a direita radical, após o colapso da União Soviética ter desferido o golpe final no já desacreditado comunismo” (Paxton, p.295).

A imigração passou, então, a ser uma ameaça para a Europa. Os imigrantes que antes eram originários da Europa do sul e do leste passaram a vir das antigas colônias (África do norte, África subsaariana, Caribe, Índia, Paquistão e Turquia), dificultando a assimilação dessas pessoas, aferradas a costumes e religiões tão diferentes, na população geral. “A ameaça imigrante não era apenas econômica e social. Eles, com seus costumes, línguas e religiões estranhos, eram freqüentemente percebidos como um fator de enfraquecimento da identidade nacional” (Paxton, p. 296).

Aqui visualizamos de maneira clara a raíz do exacerbado xenofobismo europeu, exemplificado, principalmente pelos skinheads. A direita radical fizera um grande “achado” com a questão dos imigrantes a partir da década de 1970, mas o movimento skinhead (a partir dos anos 80) se tornou o componente mais perturbador da radicalização. O elogio da violência feito por esses “jovens ressentidos” andava de mãos dadas com insígnias nazistas. Ataques homicidas a africanos, muçulmanos e gays acompanharam um surto de incêndios na Alemanha. Em meio a toda essa problemática, o Estado do bem-estar social vinha perdendo espaço para a União Européia e para o mercado global. Também não calava a dúvida: “deveria também cuidar dos estrangeiros?”

As estatísticas demonstram que a extrema direita cresceu através dos anos problemáticos já descritos, mas “os líderes dos movimentos e partidos da extrema direita que alcançaram algum grau de sucesso se esforçam ao máximo para se distanciar da linguagem e da imagem do fascismo” (Paxton, p. 302). Lê Pen (França) e Haider (Áustria) nunca admitiram abertamente qualquer vínculo com o fascismo (apesar da imprensa ter mostrado que esses líderes não estavam nem de longe afastados do fascismo). O fato é que a clientela fascista não tinha para onde ir, agrupando-se, então, à direita moderada e satisfazendo-se com “insinuações subliminares” apenas. “Nos programas e nas declarações desses partidos ouvem-se ecos dos temas fascistas clássicos: medo da decadência e do declínio; afirmação da identidade nacional e cultural; a ameaça à identidade nacional e à ordem social representada pelos estrangeiros inassimiláveis; a necessidade de uma autoridade mais forte para lidar com esses problemas” (Paxton, p. 304)

O assunto torna-se uma faca d dois gumes quando analisamos outras características clássicas do fascismo que não estão presentes na direita radical mais bem sucedida da Europa: “O ataque fascista à liberdade de mercado e ao individualismo econômico, a ser sanado pelo corporativismo e pela regulamentação dos mercados, e o compromisso de reduzir a intervenção do Estado na economia, o que é norma na Europa” (Paxton, p. 304). Além disso, a direita radical do pós-guerra que obteve algum sucesso não propõe nada parecido com a substituição da democracia por uma ditadura de partido único e não possui interesse em guerras de expansão nacional (objetivo claro nas políticas de Mussolini e Hitler). O fato é que nenhum desses partidos se interessa em aderir a uma fachada fascista, pois hoje em dia não há espaço para movimentos abertamente filiados ao fascismo clássico.

O Leste Europeu pós-soviético

Com o fim da URSS, os Estados do leste europeu vivenciaram um crescente, porém fraco, movimento da direita radical. “A democracia conturbada e as dificuldades econômicas, somadas à contestação de fronteiras e à permanência de minorias étnicas descontentes, ofereciam solo fértil a esses movimentos” (Paxton, p. 309). Mas, retornando àquela idéia da falta de espaço para esses movimentos em geral, a Europa do leste se encaixava nesse discurso. A perspectiva de ingresso na União Européia acaba por sedimentar uma democracia as custas da alternativa integral-nacionalista.

O Fascismo fora da Europa

Deixando de lado o argumento de que o fascismo exige “pré-condições especificamente européias” podemos traçar uma análise do fenômeno em outros continentes. É importante ressaltar que generalizar ditaduras ou totalitarismos como fascistas é errôneo. Paxton afirma: “Se nos ativermos com firmeza à posição de Gaetano Salvemini, de que fascismo significa abrir mão das instituições livres, sendo, portanto, uma doença das democracias frágeis, então, é claro, nosso campo atinge aos países não europeus que um dia funcionaram como democracias, ou que, pelo menos, tenham tentado instalar um governo representativo” (p. 312). Existem critérios mais ou menos fixos para rotular de “fascista” algum governo.

Começando pela África, vemos que na década de 1930 os movimentos de proteção branca eram fortemente influenciados pelo nazismo na África do Sul, mas após 1945 essa influência se tornou mais discreta. Apesar disso, houve um grande medo de que o apartheid (1948) viesse a se tornar algo bem próximo ao fascismo, sanado pela liderança de Nelson Mandela. É difícil afirmar, porém, que a questão esteja encerrada, pois “as aspirações frustradas da maioria negra por uma melhoria mais rápida nos padrões de vida, particularmente se acompanhadas de violência, poderiam vir a provocar o surgimento de associações brancas de caráter defensivo” (Paxton, p. 313), com referências ao antigo fascismo dos dois lados.

A América Latina foi, provavelmente, o continente que mais se aproximou do fascismo. Enquanto Getúlio Vargas era apressadamente tachado de fascista (“Vargas não governava por meio de um partido fascista. Ao contrário, ele extinguiu os integralistas e os partidos pró-fascistas” – Paxton, p. 315), o coronel Juan Perón combinava muito mais com o estereotipo. “Admirava a ordem, a disciplina, a unidade e o entusiasmo da Itália fascista” (Paxton, p. 315), sendo considerado um líder carismático e tendo governado por partido único. Com “sua mania de paradas e cerimônias (...), sua economia corporativista, sua imprensa controlada, sua polícia repressiva, sua periódica violência contra a esquerda, seu Judiciário subjugado e seus estreitos vínculos com Franco, a Argentina de fato parecia fascista à geração da Segunda Guerra, que se acostumara a dividir o mundo entre fascistas e democratas” (Paxton, p. 318). Mas apesar das nítidas semelhanças, o apelo popular de Perón sempre foi mais explicitamente proletário e o ator principal do fascismo, o “inimigo demonizado” nunca existiu no peronismo. Além disso, o caráter expansionista também nunca se manifestou na Argentina de Perón.

Um terceiro caso não-europeu a ser estudado seria o japonês. Na década de 1930, enquanto os fascistas obtinham grande sucesso na Europa, surgiram também no Japão. “O governo japonês decidiu-se por um exame seletivo do cardápio fascista, adotando algumas de suas medidas de organização econômica corporativista e de controle popular, numa ‘revolução seletiva’ implementada pela ação estatal, ao mesmo tempo em que suprimia o ativismo popular desordenado dos movimentos fascistas autênticos” (Paxton, p. 325). O Império japonês de 1932-1945 não era nada mais que uma ditadura militar expansionista com mobilização popular patrocinada pelo Estado. Uma cara bem fascista.

Paxton argumenta em certa altura que “a religião pode ser tão poderosa quanto a nação como motor propulsor da identidade”. Como os novos fascismos não precisam necessariamente copiar o clássico quanto aos seus símbolos e sua retórica, um “povo eleito” podia se assemelhar ao fascismo. O que o próprio autor afirma como grande ironia. Aceitar movimentos fundamentalista (principalmente o islâmico) como fascistas seria falho por diversas razões, como não abrir mão de instituições livres (nunca existentes!) e não surgir por uma crise democrática.

A tentação, desde 1930, de generalizar a palavra fascismo para explicar diversos governos ou somente tendências momentâneas não deve ser cedida. Analisar corretamente novos movimentos é de extrema importância, para estarmos sempre precavidos de novas “catástrofes históricas”.

Bibliografia: Paxton, Robert O. A Anatomia do Fascismo.

Texto 6 – Modernidade e Holocausto

Bauman aborda o fenômeno do Holocausto em sua complexidade única, preocupando-se com sua especificidade, relacionando-o à modernidade, de forma a explicitar a singularidade do genocídio administrado pelos nazistas durante a Segunda Guerra.

Começa com uma má notícia: se os estudos tentam entender a mente “criminosa” dos genocidas, Bauman nos mostra a “normalidade” do Holocausto. A questão que ele levanta na primeira parte do texto diz respeito a esses criminosos. Essas “mentes perturbadas”, “frias” e “assassinas” na realidade não foram nada mais que pessoas educadas de sua época, o que torna mais difícil para os profissionais que lidam com o tema entendê-lo e explicá-lo. Além disso, ressalta o fato da sociedade ter assistido ao holocausto sem grandes reações, pois mal conseguia acreditar que o assassinato em massa fosse real. “Para colocar as coisas claramente há razões para a gente se preocupar, porque sabemos agora que vivemos num tipo de sociedade que tornou possível o holocausto e que não teve nada que pudesse evitá-lo” (Bauman, p. 111).

A lembrança da existência anterior de genocídios na história da humanidade poderia negar a singularidade do holocausto, mas a modernidade, diferente do que se esperava, “não aparou suavemente as arestas sabidamente ásperas da coexistência humana e portanto não pôs um fim definitivo a desumanização do homem para com o homem” (Bauman, p.112). Ao contrário disso, a modernidade perpetuou o medo da possibilidade de novos genocídios. Voltando à sua singularidade, o holocausto ocorrido em meados de 1940 superou todos os seus equivalentes pré-modernos no quesito planejamento. Os episódios anteriores podem ser considerados completamente primitivos em face do enorme empreendimento que foi o holocausto praticado pelos nazistas.

A partir disso podemos avançar na tentativa de entender o assassinato em massa na escala do holocausto. Primeiramente houve o distanciamento do algoz e de sua vítima e a “substituição da raiva grupal pela obediência à autoridade (...); as ações não seriam dirigidas pela paixão, mas por rotinas de organização” (Bauman, p. 113). A burocracia via-se como substituta digna da raiva e da fúria, tão “ineficazes como instrumentos de extermínio em massa” (Bauman, p.113). O segundo aspecto que pode ser abordado para o estudo do genocídio moderno é a sua proposta. Exterminar o inimigo não é um “fim”, e sim um “meio” para atingir o objetivo final. “O fim em si mesmo é a visão grandiosa de uma sociedade melhor e radicalmente diferente” (Bauman, p. 114). Assim, as pessoas mortas simplesmente não se adequavam ao sistema de uma sociedade perfeita, sendo eliminadas de forma sistemática, mecânica. “O holocausto moderno é o único num duplo sentido. É único entre outros casos históricos de genocídio porque é moderno. E é único face a rotina da sociedade moderna porque traz à luz certos fatores ordinários da modernidade que normalmente são mantidos à parte” (Bauman, p. 118).

Bauman aborda também os efeitos da divisão hierárquica e funcional do trabalho, com a subordinação (linear graduação de poder) e a substituição da responsabilidade moral pela técnica, o que afasta ainda mais “os contribuintes para o resultado final da atividade coletiva”, ressaltando: “antes que os últimos elos da cadeia burocrática de poder (os executores diretos) enfrentem sua tarefa, a maioria das operações preparatórias que levaram a ela já foi executada por pessoas que não tinham experiência pessoas e às vezes nem o conhecimento da tarefa em questão” (Bauman, p. 122)

É importante, porém, analisar a proposta de Bauman de maneira cuidadosa, pois não podemos simplesmente justificar todo o ocorrido tendo em vista apenas a desumanização dos objetos burocráticos e sua redução a “um conjunto de medidas quantitativas” (Bauman, p.127), usando isso como explicação única da “relativa normalidade” aceita durante a época. A complexidade do holocausto moderno não pode ser simplificada a ponto de aceitarmos que a burocracia por si só o comandou, tendo em vista o papel marcante da ideologia nacional-socialista nesse contexto.

domingo, 4 de maio de 2008

Fichamento do texto 5 - "Contra o inimigo comum"

O capítulo “Contra o inimigo comum” do livro “Era dos Extremos” de Eric Hobsbawm não poderia ter um título mais esclarecedor. Através de uma análise conjuntural, o autor avalia a aliança entre países liberais e comunistas contra o fascismo alemão, o tal inimigo comum. É importante sublinhar que essa aliança está longe de ter acontecido por causa de um ideal, não passando de uma necessidade intrínseca baseada na natureza do inimigo.

A parte III deste capítulo nos mostra a posição que o autor vai tomar frente ao desenvolvimento de toda a questão do fascismo e da Segunda Guerra Mundial: A importância da Guerra Civil Espanhola. Coloca que, apesar de ser parte periférica da Europa, a Espanha tornou-se símbolo de uma luta global na década de 1930, visto que todas as partes do mundo “tomaram um lado” nessa guerra. A partir desse quadro o autor acredita que ocorre uma cisão do mundo.

“As disputas da década de 1930, travadas dentro dos Estados ou entre eles, eram, portanto, transnacionais. Em nenhuma parte foi isso mais evidente do que na Guerra Civil Espanhola de 1936-9, que se tornou a expressão exemplar desse confronto global” (Hobsbowm, 157).

É importante falar também da fracassada política de apaziguamento, pois, em parte, foi graças a ela que Hitler teve tanto espaço para expandir sua própria política. Esse apaziguamento ineficaz só foi abandonado quando países como a Grã-Bretanha e França pensaram a sério uma aliança com a URSS, “sem a qual a guerra não podia ser nem adiada nem vencida” (Hobsbawm, 156). O medo que esses países tinham de uma nova guerra, tendo em vista os traumas sofridos na Primeira Grande Guerra (bem como a neutralidade temporária soviética), acabou por ser suplantado pela necessidade de ação, visto que as potências não poderiam mais coexistir com o modelo nazista, com objetivos políticos irracionais e ilimitados. “Expansão e agressão faziam parte do sistema, e, a menos que se aceitasse de antemão a dominação alemã, ou seja, se preferisse não resistir ao avanço nazista, a guerra era inevitável, provavelmente mais cedo do que mais tarde”. (Hobsbawm, 155).

Finalmente vencida a guerra, a frágil aliança outrora formada pode ser rompida. Nesse momento, cada lado vai se virar para seus próprios interesses nacionais, e a antiga oposição “capitalismo liberal x comunismo” voltará à cena, agora de maneira muito mais radical, num contexto de Guerra Fria. Vale ressaltar que a Segunda Guerra mundial marcou profundamente e de maneira diversificada as sociedades do século XX, modificando-as e remodelando o que entendemos hoje por “ideologia”.

Bibliografia: Hobsbawm, Eric. Era dos Extremos.

sábado, 3 de maio de 2008

Fichamento do filme Homo Sapiens 1900

O filme desenvolve a temática da eugenia no contexto do regime nazista alemão. Por “eugenia” entende-se o estudo das causas e condições que podem melhorar a raça. Desenvolvida no século XIX, essa ciência foi uma das vias que os alemães seguiram para a pretendida construção de uma sociedade de perfeitos, onde qualquer defeito, físico ou mental, era motivo de análise, com o resultado quase sempre comum de descartamento do indivíduo defeituoso.
A eugenia em si não deveria denotar algo tão negativo, isso porque ela não passa de um estudo para encontrar as condições favoráveis à reprodução humana, promovendo um melhoramento da raça. A questão é puramente moral, visto que a eugenia foi utilizada como instrumento de limpeza racial pelo fascismo e até pelo stalinismo, embora de maneira diferente: enquanto na Alemanha a preocupação era com a perfeição física e a beleza do homem ariano, na URSS buscava-se o homem idealizado através do cérebro e do intelecto. Estudou-se o cérebro de Lênin e de Tolstoi, por exemplo, para a construção do homem socialista perfeito.
A partir desse primeiro contato com as definições, passamos para uma nova etapa: a divisão entre eugenia positiva e negativa. A chamada eugenia positiva consistia em fazer com que as raças puras procriassem, enquanto a negativa preocupava-se em fazer com que os pobres ou incapacitados de alguma forma, não o fizessem. Exemplo de eugenia positiva mostrado no filme são as casas criadas pelos nazistas para abrigar mulheres que dariam à luz os homens perfeitos do Reich. O problema é que essas casas acabaram indo de encontro ao conceito de família que o Estado alemão vinha criando. De qualquer forma, a partir disso, podemos fazer uma conexão com a eliminação dos bebês deficientes e a esterilização em massa dos indivíduos considerados inaptos, fatos que ocorreram com um grau assustador de normalidade. A manipulação biológica tornou-se uma arma apontada para a sociedade e disparada contra aqueles que não se encaixavam no padrão racial imposto pelo regime.
Essa “moda” que começou na Suécia com um instituto sério para o estudo da eugenia, virou concurso para a escolha da criança mais perfeita e foi importada pelos EUA, onde eram promovidas campanhas para as próprias mães eliminarem seus filhos recém-nascidos deficientes. É importante ressaltar que, nos EUA, a esterilização em massa era legalizada. O simplismo e o progresso fizeram com que a eugenia regredisse nos Estados Unidos, mas na Alemanha de 1943, 400 mil são esterilizados e o “extermínio em massa” está em alta, com o crescimento da eugenia negativa, visto que os valores burgueses não aceitavam de bom grado aquelas tais “casas”. Com esse aprofundamento do uso da eugenia pelo regime nazista, Stalin acaba por abandonar e proibir essa ciência em seu território.
Assim, Peter Cohen traça uma crítica com documentos e imagens chocantes dessa “ciência maluca” que foi aderida por muitos em uma época em que a busca da perfeição física e/ou mental era absolutamente necessária para as ideologias. Mais uma vez presenciamos na história da humanidade que o homem é o único ser predador de si mesmo, num contexto social onde os fins quase sempre justificam os meios.


Bibliografia: Cohen, Peter, Homo Sapiens 1900.
www.terra.com.br/cinema/drama/sapiens.htm
www.frif.com/new99/homosapi.html

domingo, 6 de abril de 2008

Texto 3 - Paxton (2)

Neste capítulo do livro, Paxton se posiciona frente a necessidade de chegar a uma definição do que realmente é o fascismo, questionando-se sobre qual pode ser considerado real. Ele explicita que alguns autores defendem os movimentos iniciais como fascismo “puro”, criticando os que chegaram ao poder como corruptos e interesseiros, ao passo que formam alianças conciliatórias para se manter como establishment. Paxton acredita que essa defesa seja pobre, visto que os fascismos que efetivamente assumiram o governo tinham em mãos “o poder de guerra e de morte”, defendendo, assim, uma definição que englobe os estágios iniciais e os finais do fenômeno.
A partir dessa idéia, nosso autor segue trabalhando os elementos basicamente comuns aos fascismos: “O fascismo no poder consiste num composto, um amálgama poderoso dos ingredientes distintos, mas combináveis, do conservadorismo, do nacional-socialismo e da direita radical, unidos por inimigos em comum e pela mesma paixão pela regeneração, energização e purificação da nação, qualquer que seja o preço a ser pago em termos de instituições livres e do estado de direito” (Paxton, P. 336). Assim, ele conclui que “o fascismo em ação se assemelha muito mais a uma rede de relações que a uma essência fixa”, deixando pra trás o simplismo do fascismo puro. Abro um parêntese aqui para lembrar que realmente não existia um projeto claro e definido, os “ideólogos” não sentiam essa necessidade, pois acreditavam que com as ações isso viria naturalmente. Os fascistas negavam a racionalidade que agrupava os homens e os igualava (visavam a criação de uma comunidade de eleitos), sendo radicalmente antiintelectuais e fazendo um elogio da violência.

Neste momento entramos nas “interpretações conflitantes”, onde veremos uma gama de comparações entre outros sistemas e o fascismo, sempre na tentativa de defini-lo de maneira mais justa. Paxton contesta quase todas as propostas com argumentos plausíveis.

Em primeiro lugar encontramos a visão marxista geral, que entende o fascismo como instrumento do capitalismo. “A ortodoxia da Terceira Internacional Comunista de Stalin negava suas raízes autônomas e a autenticidade do fascínio que ele exercia sobre as massas”. Além disso, ignorava o fator escolha humana, “na medida em que transformava o fascismo no resultado inevitável de alguma crise insuperável de superprodução capitalista”. (Paxton, P. 337). O equívoco está no fato de que, quando rejeitavam a democracia, a maioria dos capitalistas não optava pelo fascismo, e sim pelo puro autoritarismo. Mesmo tendo formado alianças que possibilitavam vantagens mútuas, os capitalistas se adaptaram aos governos fascistas simplesmente por estes serem a melhor solução não-socialista disponível.
A segunda proposta de explicação do fenômeno recorre à psicanálise, tendo em vista o caráter obsessivo que o fascismo personifica. Esta proposta, porém, também é falha, pois psicanalisar líderes como Hitler era um projeto inacessível, tanto quanto afirmar que alguns eram de fato loucos, já que seu público os adorava e alguns exerceram suas funções eficazmente durante um tempo considerável. Aqui, Paxton coloca uma possibilidade de análise psicanalítica do público fascista, e não de seus líderes, como fez o freudiano dissidente Wilhelm Reich, em sua obra The Mass Psychology of Fascism, para depois ressaltar que esses regimes funcionavam graças ao apoio de pessoas comuns que se adaptaram a eles em seu dia-a-dia.
A terceira visão é a defendida pelo sociólogo Talcott Parsons, que sugere que “o fascismo havia surgido do desenraizamento e das tensões provocadas por um desenvolvimento econômico e social desigual”. Parsons afirma que “em países que se industrializaram de maneira rápida e tardia, como a Alemanha e a Itália, as tensões de classe eram particularmente agudas”. Paxton acredita que “essa interpretação tem o mérito de tratar o fascismo como um sistema e como produto da história, da mesma forma que a interpretação marxista, embora sem o determinismo, a estreiteza e o frágil embasamento teórico desta última” (Paxton, P. 340). Apesar da defesa desse sociólogo ser bem justificada, não pode ser aceita sem um aprofundamento da questão, pois a França apresentava à mesma época uma economia “dual”, com a coexistência de um setor camponês/artesão e uma indústria moderna, sem, no entanto, ter vivido um sistema fascista próprio (o fascismo só chegou ao poder sob a ocupação nazista alemã).
Partimos, então, para outro enfoque sociológico, com Hannah Arendt, que vai defender o paradigma da “sociedade de massas atomizadas”, quando em fins do século XIX o nivelamento urbano e industrial deu espaço aos fornecedores de ódios simplistas, não mais refreados pela tradição ou pela comunidade”. Hannah analisa as massas desenraizadas como “desligadas de quaisquer vínculos sociais, intelectuais ou morais, e inebriadas por paixões anti-semitas e imperiais” como a via possível para o surgimento do fascismo. Paxton, porém, relembra que os melhores trabalhos teóricos sobre o assunto dão pouco apoio a essa abordagem: “A sociedade da Alemanha de Weimar, por exemplo, era ricamente estruturada, e o recrutamento nazista operava por meio da mobilização de organizações inteiras por apelos dirigidos a interesses específicos” (Paxton, P.342).
Outra corrente considerada é a que vê o fascismo como uma ditadura desenvolvimentista, tendo em mente principalmente o modelo italiano, mas também ressaltando a necessidade alemã de disciplinar o povo para a reconstrução do país no pós-primeira guerra. Mas essa interpretação também comete um erro, pois supõe que o fascismo perseguia um objetivo racional, o que vimos que não acontece. O que Hitler e Mussolini acabavam por fazer era pensar a economia como um caminho para o prestígio político. Essa corrente também foi usada para rotular governos autocráticos do terceiro mundo de fascistas.
A sexta interpretação trabalhada no texto está no sociólogo Seymor Martin Lipset, que sistematizou o fascismo quanto a sua composição social, afirmando que este é um “extremismo de centro”, abrangendo uma classe rancorosa (pequenos comerciantes, artesãos, camponeses e outros integrantes da “antiga” classe média) que se via comprimida entre os trabalhadores industriais e os grandes empresários. Essa tese é posta em dúvida graças a recentes pesquisas empíricas que apontam para o fato de o recrutamento fascista não visar uma camada social específica, abrangendo descontentes heterogêneos, além de “aproveitadores” do seu sucesso.
No parágrafo seguinte, Paxton afirma que uma multidão de observadores tende a ver o fascismo como uma subespécie do totalitarismo, graças a tentativa de monopolização dos cargos públicos. Essa visão será, posteriormente, ampliada pelos adversários de Mussolini. Quanto a isso, há uma ressalva: “Temos que admitir que o regime de Mussolini, ansioso como era por ‘normalizar’ suas relações com uma sociedade onde a família, a Igreja, a monarquia e o chefe político da aldeia ainda possuíam um sólido poder, não conseguia atingir esse controle total” (Paxton, P.345). Há até uma comparação por parte dos teóricos do totalitarismo da década de 1950 entre Hitler e Stálin, pois os dois modelos de governo se caracterizavam por partidos únicos, por empregar uma ideologia oficial, usar de um controle policial terrorista, manter o monopólio sobre todos os meio de comunicação, sobre as forças armadas e sobre a organização econômica. Apesar disso, “concentrar o foco nas técnicas de controle pode fazer com que diferenças importantes sejam obscurecidas (...), pois os regimes diferiam profundamente em termos de dinâmica social e também de seus objetivos”. O autor trabalha a questão do totalitarismo esvaziando-o de ser uma característica realmente válida para o fascismo à medida que ver Hitler e Stálin como totalitários acaba por tratá-los da mesma forma, fazendo um julgamento moral comparativo. Neste momento, Paxton discorre sobre os dois líderes e fecha com uma conclusão sobre a teoria que defende o fascismo como uma espécie de totalitarismo: “A imagem totalitária pode evocar de forma poderosa os sonhos e as aspirações dos ditadores, mas, na verdade, prejudica o exame da questão de importância mais vital, ou seja, com que eficiência os regimes fascistas conseguiram se encaixar nas sociedades, em parte submissas e em parte recalcitrantes, governadas por eles” (Paxton, P. 350).
Mais uma hipótese estudada neste texto é o conceito de religião política aplicável ao fenômeno. Este conceito é bem útil para o fascismo, pois o comparando a uma religião, chegamos a denominadores comuns. Se levarmos em conta a mobilização de fiéis “em torno de ritos e palavras sagradas”, a complicação apenas se faz presente quando paramos para pensar que, se assim é, a explicação para o fato do fascismo ter obtido êxito em alguns países cristãos e não em outros se liga à teoria de que a “crise ontológica de inícios do século XX era mais severa na Alemanha e na Itália que na França e na Grã-Bretanha, tese que talvez seja difícil provar” (Paxton, P. 350).

Na penúltima parte do texto, intitulada “Fronteiras”, Paxton levanta a existência de modelos que poderiam ser considerados fascistas durante a década de 1930, quando a Alemanha e a Itália alcançavam mais sucesso que as democracias, e traça as tais fronteiras entre eles.

A primeira e mais simples fronteira é a que separa o fascismo da tirania clássica, pois ao invés de reduzir os cidadãos ao silêncio, ele “encontrou uma técnica para canalizar suas paixões para a construção de uma unidade doméstica compulsória em torno de projetos de limpeza interna e de expansão externa” (Paxton, P.354)
A segunda fronteira é estabelecida com as ditaduras militares. Apesar de os fascismos terem um cunho militarista e valorizarem como ninguém a imagem do militar, a maioria das ditaduras militares não recorre às massas, atuando como simples tirania e não ousando “desencadear a excitação popular do fascismo”.
Por último está a fronteira do autoritarismo. Sobre esta Paxton nos esclarece que “embora seja comum que os regimes autoritários desrespeitem as liberdades civis e sejam capazes de brutalidade homicida, não compartilham da ânsia fascista de reduzir a zero a esfera privada. Aceitam domínios de espaço privado, mal definidos, embora reais, para ‘grupos intermediários’, como as pessoas de renome do país, os cartéis e as associações econômicas, os corpos de oficiais, as famílias e as igrejas (...). Os autoritários preferem deixar suas populações desmobilizadas e passivas, ao passo que os fascistas querem engajar e excitar o público (...). Hesitam em intervir na economia,c coisa que os fascistas estão sempre prontos a fazer, ou em criar programas de bem-estar social” (Paxton, P.356).
Chegamos a última parte do texto, onde a busca pela definição do fascismo entende que não é possível esculturá-lo de forma precisa e irrefutável. Apesar disso, Paxton o estrutura a partir de elementos profundamente estudados nesse capítulo, ressaltando que, como observou Franz Neumann, “a ideologia nacional-socialista muda constantemente” e colocando em tópicos o que chama de suas “paixões mobilizadoras”, como a primazia do grupo, a necessidade da autoridade dos chefes naturais, o elogio da violência e o direito do povo eleito dominar os demais, entre outros. O último parágrafo preocupa-se em deixar claro que, pelas noções que estudamos até aqui, o fascismo ainda é visível nos dias de hoje, ressaltando que “nossas chances de reagir de forma sensata serão muito maiores se compreendermos de que forma ele veio a alcançar êxito no passado”. (Paxton, P. 361).


Bibliografia: A Anatomia do fascismo. Paxton, Robert O.

domingo, 30 de março de 2008

Texto 2 - Paxton (1)

A preocupação central de Paxton ao desenvolver uma reflexão sobre o que é o fascismo é esvaziá-lo de um contexto apenas histórico, ressaltando seu caráter de inovação política do século XX, bem como suas impactantes novas manifestações, no neofascismo e no neonazismo. Afirma que não se pode pensar o fascismo como um fatalismo de uma época, um “acidente da história” (o que seria uma leitura com grande destaque no pós-segunda guerra), mas sim um projeto para superar a decadência do século, com seus valores particulares e diferentes do que o mundo até então presenciara. Os fascistas tentam dar uma solução para os dilemas da modernidade, se opondo aos ideais da Revolução Francesa e àquele projeto liberal que criara uma sociedade tão individualizada. Assim, tornaram-se também grandes críticos e opositores do comunismo, herdeiro da tradição liberal em sua forma mais radical, e da democracia, visto que a sociedade fascista não pressupõe antagonismos, e sim a imagina como um organismo onde cada um vive em função do todo e do tradicionalismo nacional, tendo o líder legitimidade de falar pelo povo.
Outro aspecto que o autor trabalha é o fato do projeto fascista ser um projeto de direita que supõe a mobilização das massas, o que é uma novidade. Na página 14 coloca: “Uma ditadura antiesquerdista cercada de entusiasmo popular - essa foi a combinação inesperada que os fascistas conseguiram criar num curto espaço de tempo de uma geração.” Paxton faz um panorama do fascismo, discursando sobre como ele surgiu e como se tornou ideologia para muitos países (ascendendo ao poder na Itália e na Alemanha), tomando forma própria em cada um deles.
O fascismo surgiu na Itália com Mussolini em 1919 (nesta ocasião denominado de “Fasci di Combattimento”) , reunindo um pequeno bando de ex-soldados nacionalistas e de revolucionários sindicalistas pró-guerra. O programa fascista era uma “mistura de patriotismo de veteranos e de experimento social radical, uma espécie de nacional-socialismo” (Paxton, 16). O movimento possuía um caráter expansionista visando os Bálcãs e o redor do Mediterrâneo e propunha o sufrágio feminino e o voto aos dezoito anos, a abolição da câmara alta, a convocação de uma assembléia constituinte para redigir a proposta de uma nova constituição italiana, a jornada de trabalho de oito horas, a participação dos trabalhadores na “administração técnica das fábricas” e a expropriação parcial de todos os tipos de riqueza por meio de uma tributação pesada e progressiva do capital, o confisco de certos bens da Igreja e de 85% dos lucros de guerra (Paxton, 17). Além disso, os primeiros movimentos fascistas possuíam verdadeiro desprezo pelos valores burgueses e pela acumulação individual e “exacerbada” de dinheiro (por isso também podemos entender o judeu usado como “bode expiatório” dos problemas da Alemanha, visto que esse povo tem uma tradição na acumulação de bens): “Atacavam o capitalismo financeiro internacional com quase a mesma veemência com que atacavam os socialistas. Chegaram a prometer expropriar os donos de lojas de departamento em favor de artesãos patrióticos, e os grandes proprietários de terras em favor dos camponeses” (Paxton, 25).
Aqui vale ressaltar o abismo entre discurso e ato, pois quando os partidos fascistas chegaram ao poder não se preocuparam tanto em cumprir as ameaças anticapitalistas, mas usaram de extrema violência contra o socialismo. “Ao tomar o poder, proibiram as greves, dissolveram os sindicatos independentes, reduziram o poder de compra dos salários dos trabalhadores e despejaram dinheiro nas industrias armamentistas para a imensa satisfação dos patrões. Diante desses conflitos entre palavras e atos, no que se referia ao capitalismo, os estudiosos chegaram a conclusões opostas. Alguns, tomando literalmente as palavras, consideram o fascismo uma forma radical de anticapitalismo. Outros, e não apenas os marxistas, adotam a posição diametralmente oposta, de que os fascistas vieram em socorro do capitalismo em apuros, dando sustentação, por meio de mediadas emergenciais, ao sistema vigente de distribuição da propriedade e de hierarquia social” (Paxton, 26).
O autor adota a posição de que “o que os fascistas fizeram é tão informativo quanto o que eles disseram”, considerando a retórica fascista seletiva e, de certa forma, interesseira, pois quando necessário o fascismo não deixou de estabelecer alianças com os conservadores nacionais contra a esquerda internacional ( o que vemos muito presente no fascismo é a idéia de “por um bem maior”). O fato é que o que o fascismo criticava não era a exploração do capitalismo, e sim seu materialismo e sua falta de patriotismo, seguindo apenas o que é interessante para o capital, não para a nação. Mais uma contradição fascista está presente quando pensamos na valorização do rural, do artesão, do camponês, dos primeiros movimentos e a pressa em se rearmar e em se lançar guerras expansionistas rapidamente (Paxton, 31).
A última parte do texto trata da importante imagem do líder, explicitando que o fascismo não se baseia num sistema filosófico complexo e ressaltando até uma falta de um projeto fascista doutrinário específico, afirmando que [o fascismo] “não repousava na verdade de sua doutrina, mas na união mística do líder com o destino histórico de seu povo”. Assim podemos visualizar a importância que o líder terá, mesmo existindo grandes diferenças e particularidades entre os fascismos de diferentes países.

domingo, 23 de março de 2008

Texto 1 - Silva

A defesa da tese do autor gira e torno da idéia de que o fascismo não faz parte de um “passado histórico”. Destaca, assim, sua contemporaneidade, mostrando a importância dessa visão para o historiador, visto que um especialista deste tema trabalhava-o de forma diferente no fim dos anos 40 e durante os anos 50.

Silva ressalta que o fascismo como “fenômeno de uma época” tornou-se uma interpretação obsoleta frente ao cenário político europeu dos anos 90, quando grupos neofascistas tomavam corpo considerável. Soma-se a isso a abertura e publicação de arquivos, até então ocultos, pós-segunda guerra mundial, por parte dos EUA, da Inglaterra, da Federação Russa e até da Gestapo (estes abertos após a queda do muro de Berlim, em 1989).

Com essa idéia em mente o autor constrói uma ponte entre o fascismo histórico e o neofascismo, ressaltando o quão falha é a visão de demonização da Alemanha quando se reduz o evento como exclusivo deste país, circunscrevendo o fascismo ao nazismo. A crítica do autor a essa visão pode ser considerada contundente, tendo em vista que o fascismo nasceu com Mussoline, na Itália, onde alcançou o poder em 1922, onze anos antes de Hitler se tornar führer. Além disso, há a visão historiográfica que não avalia a importância dos movimentos fascistas em outros países da Europa, como a Hungria ou Portugal, o que é criticado veementemente pelo autor. É percebendo que novos movimentos fascistas crescem na atualidade que o historiador se vê obrigado a criar uma nova metodologia para o estudo do fenômeno, o que ele faz baseando-se num método comparativo a partir da construção de um modelo e das realidades singulares de cada país, em cada época.